Trabalho conduzido por pesquisadores brasileiros, holandeses e britânicos enfoca o nexo entre três variáveis críticas e interdependentes: água, energia e alimentos (divulgação)
Trabalho conduzido por pesquisadores brasileiros, holandeses e britânicos enfoca o nexo entre três variáveis críticas e interdependentes: água, energia e alimentos
Trabalho conduzido por pesquisadores brasileiros, holandeses e britânicos enfoca o nexo entre três variáveis críticas e interdependentes: água, energia e alimentos
Trabalho conduzido por pesquisadores brasileiros, holandeses e britânicos enfoca o nexo entre três variáveis críticas e interdependentes: água, energia e alimentos (divulgação)
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Em um quadro global de escassez ou de limitada disponibilidade de recursos, a tríade “água, energia, alimentos” compõe um nexo crítico nas periferias das cidades de países pobres ou em desenvolvimento.
Uma colaboração internacional, envolvendo pesquisadores do Brasil, da Holanda e do Reino Unido, estuda essa relação em três cidades de porte médio: Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo; Kampala, capital de Uganda; e Sófia, capital da Bulgária.
O uso da palavra “nexo” (“nexus”, em latim) baseia-se na percepção de que existe uma interdependência entre as variáveis água, energia e alimentos: o aumento da oferta direta de uma implica na depleção das outras e nas respectivas cadeias de produção e provimento.
“Se maior quantidade de água for disponibilizada para as populações, isso impactará negativamente a produção de alimentos e a produção de energia. O mesmo ocorre se cada uma das outras duas variáveis for enfatizada. Isso complexifica a convencional relação de escassez”, disse Leandro Luiz Giatti, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) e coordenador do Projeto Temático “Resiliência e vulnerabilidade quanto ao nexo urbano de alimentos, água, energia e ambiente (ResNexus)”.
Formatada em resposta a uma chamada de propostas tendo por foco a sustentabilidade urbana, lançada pela FAPESP em parceria com a Organização Holandesa para a Pesquisa Científica (NWO) e o Economic and Social Research Council (ESRC), do Reino Unido, a colaboração ResNexus congrega pesquisadores da USP e das universidades Wageningen (Holanda) e de Sussex (Reino Unido). No Brasil, um estudo inserido no Projeto Temático está sendo conduzido também em Guarulhos por Carolina Monteiro de Carvalho, pós-doutoranda da FSP-USP, com supervisão de Giatti e Bolsa da FAPESP.
É claro que esse quadro de escassez global apresenta nuanças que variam conforme os territórios. No Brasil, a fartura de recursos hídricos não impediu que graves crises regionais no abastecimento de água ocorressem nos últimos anos. E o modelo agrícola adotado, voltado para a produção intensiva e a exportação de commodities, é também intensivo no consumo de água e energia.
Com relação ao fato de o estudo enfocar três cidades, Giatti comenta que cada vez mais a população mundial se concentra nas cidades e as populações urbanas têm padrões de consumo mais elevados.
“Então, é a partir das cidades que se dinamizam as demandas de água, energia e alimentos. No entanto, a relação de interdependência não se resume ao território estrito das cidades. Hoje, por exemplo, a cidade de São Paulo é abastecida com água que vem até de Minas Gerais”, disse à Agência FAPESP.
Embora muito diferentes sob vários aspectos, Guarulhos, Kampala e Sófia têm em comum o fato de ocuparem as três a faixa de 1 milhão a 1,5 milhão de habitantes, além de apresentarem vários problemas semelhantes.
“Os três estudos se valem de uma técnica etnográfica chamada de ‘shadowing’, que sobrepõe diversas investigações qualitativas para entender as práticas sociais em contexto de vulnerabilidade. O pressuposto é que, a partir dos meios de que dispõem, de seus saberes e fazeres, as populações desenvolvem várias práticas sociais para lidar com a escassez. Isso é focal nos três estudos”, disse Giatti.
“Em Kampala, por exemplo, as favelas que formam um mosaico por toda a cidade são territórios onde não há praticamente presença do Estado. Nas favelas da Região Metropolitana de São Paulo, apesar das enormes carências, é possível encontrar unidades básicas de saúde (UBSs) ou acessos a essas unidades, escolas ou acessos a escolas, na maioria delas existe redes de distribuição de água”, disse.
“Nada disso ocorre em Kampala. Então, um exemplo de prática social que se constituiu lá diz respeito ao cozimento dos alimentos. Para cozinhar, as pessoas utilizam principalmente carvão, lenha ou bloquetes de madeira. É um material de fácil acesso, porém caro. Por isso, a população deixou de consumir feijões, que demandam muita água e muita energia para serem cozidos. E adotou, como principal alimento, o matooke, um purê de banana verde cozido no vapor. A preparação é rápida e demanda pouca água e pouca energia”, disse o pesquisador.
A partir de levantamentos etnográficos como esse, o estudo identifica não apenas as soluções encontradas pelas populações para sobreviver à escassez, mas também suas propostas, suas aspirações, sua visão de futuro. O abismo entre as práticas sociais das populações em condição de vulnerabilidade e as decisões dos gestores de políticas públicas é alvo de interesse da pesquisa.
“Isso é muito marcante nos três locais estudados. Recebemos recentemente uma pesquisadora da Bulgária, que trabalha na revisão do plano diretor de Sófia. Ela nos mostrou que, em função do regime socialista que vigorou na Bulgária até 1989, existe na cidade uma infraestrutura muito boa; porém há o desafio da interlocução dos cidadãos com os planejadores, porque, apesar da abertura do regime, ainda subsistem práticas autoritárias e pouca disponibilização de informações no âmbito governamental”, disse Giatti.
“O melhor que estamos conseguindo fazer para superar esse hiato são eventos que chamamos de Vision Building Workshops, oficinas para a construção de visões coletivas, reunindo moradores das regiões vulneráveis com suas lideranças locais, acadêmicos e gestores públicos”, disse.
Mapas e questionários
No bairro estudado em Guarulhos, a construção de canais de interlocução foi uma das decorrências da pesquisa de pós-doutoramento de Carolina Monteiro de Carvalho.
“Meu projeto, desenvolvido como um desdobramento do ResNexus, enfocou a construção de um Sistema de Informação Geográfica (SIG) participativo. Esse sistema, de levantamento dos problemas socioambientais do bairro Novo Recreio, começou a ser construído junto com jovens moradores, a partir de um curso de extensão de três meses que demos no local”, disse Carvalho.
“O segundo passo, no qual estou trabalhando agora, é a elaboração de um questionário, formatado com base na plataforma de mapeamento participativo finlandesa Maptionnaire, para ser respondido por cidadãos de todo o município de Guarulhos. Os cidadãos poderão dar o seu feedback para a construção de um sistema socioambiental mais justo”, disse.
O Novo Recreio é uma parte nova do bairro Recreio São Jorge. Abriga cerca de 4,5 mil famílias no sopé da Serra da Cantareira. Devido ao relevo acidentado, constitui uma área de risco ambiental, com depósitos de lixo em locais impróprios, episódios de deslizamento de terras e até mesmo de inundações.
A mobilidade dos moradores é muito precária, porque os ônibus não conseguem subir as encostas em dias de chuva. Além de um problema crônico de escassez hídrica, uma das maiores dificuldades apontadas é a falta de pavimentação, que dificulta o deslocamento.
“Iniciamos nosso estudo com o apoio do Clube de Mães, fundado pela moradora Cida, que sempre batalhou pelas necessidades dos moradores do Novo Recreio. Essa ONG apoiou nossa entrada no bairro, assim como a UBS local, sob a gerência de Fabiana Bueno. E 22 estudantes, de 14 a 17 anos, que frequentavam os cursos promovidos pelo Clube de Mães, vieram participar. Foram reuniões semanais, de uma hora cada, durante três meses. A partir das respostas que nos davam, começamos a levantar os problemas socioambientais da área”, disse Carvalho.
Isso foi feito mediante várias dinâmicas. Por exemplo, o “Mapa Falante”, no qual a pessoa representa por meio de desenho em papel os problemas sociais ou ambientais que percebe em seu bairro. Ou o “SIG Participativo Manual”, no qual coloca um papel vegetal sobre o Google Map impresso e destaca as características que conhece nas várias áreas.
“Essas foram apenas algumas das várias dinâmicas utilizadas. Depois de todo o levantamento feito, apliquei o questionário Maptionnaire, para que esses estudantes pudessem planejar o que queriam de infraestrutura para os próximos anos em seu bairro”, disse a pesquisadora.
Com base nesses encontros, os estudantes produziram o mapa do diagnóstico socioambiental do bairro. E, por meio da plataforma Maptionnaire, também o mapa do planejamento.
“Então, temos um quadro de como está a região e de como esses jovens gostariam que ela ficasse. Agora, na segunda fase do projeto, estamos fazendo encontros temáticos com a população. Além dos estudantes, estão sendo chamados outros moradores da área, para que possamos levantar também o ponto de vista dos mais idosos. Nosso objetivo é chegar à definição de estratégias que possam ser implementadas no futuro. Já temos o apoio do Clube de Mães, da UBS local e também da Secretaria de Saúde do município”, disse Carvalho.
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