Camundongos sem gene Ric8b no epitélio olfatório demoraram mais para encontrar alimento e não se incomodaram com odor forte. Desligamento do gene impede desenvolvimento embrionário (imagem: divulgação)

Estudo de gene do olfato pode indicar mecanismos de doenças
01 de novembro de 2018
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Camundongos sem gene Ric8b no epitélio olfatório demoraram mais para encontrar alimento e não se incomodaram com odor forte. Desligamento do gene impede desenvolvimento embrionário

Estudo de gene do olfato pode indicar mecanismos de doenças

Camundongos sem gene Ric8b no epitélio olfatório demoraram mais para encontrar alimento e não se incomodaram com odor forte. Desligamento do gene impede desenvolvimento embrionário

01 de novembro de 2018
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Camundongos sem gene Ric8b no epitélio olfatório demoraram mais para encontrar alimento e não se incomodaram com odor forte. Desligamento do gene impede desenvolvimento embrionário (imagem: divulgação)

 

André Julião  |  Agência FAPESP – Um estudo com camundongos mostrou a relação direta entre um gene, o Ric8b, e a capacidade olfatória. Além disso, esse gene, também presente em humanos, apresenta um papel essencial no desenvolvimento embrionário dos roedores. 

O estudo da relação do Ric8b com o olfato foi possível graças a uma técnica que permite a inativação de um gene em um tecido específico de animais, chamada de nocaute condicional. 

“Quando o gene Ric8b é desativado especificamente no epitélio olfatório dos camundongos, este deixa de produzir a proteína Ric8b, como seria esperado. Mas, além disso, observamos que o epitélio olfatório também deixa de expressar a proteína Gαolf”, disse Bettina Malnic, professora do Instituto de Química da USP e coordenadora do estudo publicado no Journal of Neuroscience.

“A proteína Gαolf é fundamental na ativação dos neurônios olfatórios desse epitélio pelos odorantes, e na sua ausência os animais passam a apresentar deficiências olfatórias severas”, disse Malnic à Agência FAPESP.

Essa e outras técnicas para a produção dos chamados animais transgênicos foram apresentadas durante a 33ª Reunião Anual da FeSBE, ocorrida no início de setembro em Campos do Jordão. O evento teve apoio da FAPESP.

Uma segunda parte ainda não publicada do estudo, apresentada durante o evento, mostra que o efeito é diferente quando o gene é inativado no organismo inteiro, e não apenas em um tecido específico. Nas tentativas de gerar camundongos transgênicos sem o Ric8b em todos os tecidos, os embriões simplesmente não progrediram. 

“Nestes embriões, o tubo neural na região da cabeça não se fecha como normalmente deveria ocorrer, mostrando que o gene tem funções essenciais adicionais além das olfatórias”, disse Malnic. Os embriões com o gene inativado também eram bem menores do que os dos irmãos com o gene intacto.

Além disso, o grupo da pesquisadora notou que os embriões com o gene Ric8b inativo apresentam como consequência a alteração de uma importante via de sinalização celular, a via de mTOR (mais especificamente a via de mTORC2). Essa via está envolvida em funções importantes no organismo e ainda tem aspectos não bem compreendidos. 

Sabe-se, por exemplo, que sua ativação aumentada está correlacionada com algumas formas de câncer. Além disso, alterações na via de mTORC2 estão correlacionadas com defeitos no desenvolvimento do sistema nervoso e têm sido implicadas em distúrbios neuropsiquiátricos, como em algumas formas de autismo e esquizofrenia. 

Cheiro na gaiola

Para testar a relação entre a inatividade do Ric8b e a capacidade olfatória, foram gerados camundongos transgênicos a partir da técnica de nocaute condicional. Além desses animais, foram usados como controle os seus irmãos heterozigoto e selvagem.

Enquanto os animais nocaute têm as duas cópias do Ric8b inativadas, os heterozigotos têm apenas uma. Já os animais do tipo selvagem têm as duas cópias ativas.

Um dos testes consistiu em deixar os camundongos em jejum por 24 horas e depois colocá-los em uma gaiola com uma isca soterrada em serragem. Enquanto os heterozigotos e selvagens encontraram o alimento em dois ou três minutos, os nocautes demoraram quase o dobro do tempo.

Em outro teste, cada animal foi colocado em uma gaiola contendo odorantes dos alimentos manteiga de amendoim e leite, e também água. Os animais controle passaram poucos segundos investigando a água e muito mais tempo cheirando o leite ou a manteiga de amendoim, ou seja, preferiram o cheiro dos alimentos à água. Já os camundongos com o Ric8b inativado não diferenciaram muito o tempo de investigação dos odorantes de alimentos e a água.

Por fim, os animais foram colocados em uma gaiola na qual um dos cantos tinha uma porção de ácido butírico, que exala um cheiro extremamente  desagradável. Enquanto os camundongos controle evitaram ao máximo o lado da gaiola em que estava a amostra, especialmente o canto onde foi depositado o ácido butírico, os animais com o gene inativado andaram normalmente por toda a gaiola.

Os resultados dos testes comportamentais foram reforçados por meio da análise do sistema olfatório desses animais. Submetidos a diferentes métodos, os epitélios olfatórios dos animais nocaute apresentaram um número reduzido de neurônios olfatórios quando comparados com os animais heterozigotos e selvagens. 

“Nos camundongos nocaute os neurônios olfatórios deixam de ser responsivos a odorantes e morrem mais frequentemente”, disse Malnic. A análise dos cérebros mostrou ainda que o bulbo olfatório dos animais com o Ric8b inativados é menor que o dos que têm o gene funcionando. 

Outra evidência da importância do gene Ric8b é o fato de ele ser extremamente conservado em mamíferos. “A sequência de aminoácidos da proteína Ric8b de camundongo apresenta uma identidade de aproximadamente 95% com a sequência da Ric8b humana”, disse Malnic. 

Isso quer dizer que, ao longo da evolução, houve uma pressão seletiva para manter a sequência de aminoácidos dessa proteína funcional. 

“Essa conservação indica que Ric8b apresenta uma função importante no homem também. Não sabemos ainda qual, mas possivelmente uma função relacionada às observadas no camundongo nocaute constitutivo, como, por exemplo, no desenvolvimento do sistema nervoso”, disse Malnic.

 

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