Da origem da universidade pública em São Paulo a trabalhos atuais sobre republicanismo e Maquiavel, a colaboração francesa sempre esteve presente no ensino e na pesquisa em Filosofia no Brasil, afirmam pesquisadores durante a FAPESP Week France (Sérgio Cardoso (centro), professor da FFLCH-USP; foto: Heitor Shimizu / Agência FAPESP)
Da origem da universidade pública em São Paulo a trabalhos atuais sobre republicanismo e Maquiavel, a colaboração francesa sempre esteve presente no ensino e na pesquisa em Filosofia no Brasil, afirmam pesquisadores durante a FAPESP Week France
Da origem da universidade pública em São Paulo a trabalhos atuais sobre republicanismo e Maquiavel, a colaboração francesa sempre esteve presente no ensino e na pesquisa em Filosofia no Brasil, afirmam pesquisadores durante a FAPESP Week France
Da origem da universidade pública em São Paulo a trabalhos atuais sobre republicanismo e Maquiavel, a colaboração francesa sempre esteve presente no ensino e na pesquisa em Filosofia no Brasil, afirmam pesquisadores durante a FAPESP Week France (Sérgio Cardoso (centro), professor da FFLCH-USP; foto: Heitor Shimizu / Agência FAPESP)
Heitor Shimizu, de Lyon | Agência FAPESP – As estreitas relações entre Brasil e França no ensino e na pesquisa em Filosofia foram destacadas pelos participantes de uma sessão de palestras ocorrida durante a FAPESP Week France.
“Não podemos deixar de reconhecer que as Ciências Humanas e a Filosofia no Brasil estão fortemente ligadas com a França em sua origem. Desde a criação da primeira universidade pública em São Paulo, em 1934 [Universidade de São Paulo], seus fundadores entenderam que, sem contribuições de centros universitários mais bem estabelecidos, seria impossível superar a distância cultural que nos separava desses centros e alcançar o ideal de modernização do Brasil, para o qual a abertura de universidades foi decisiva”, disse Sérgio Cardoso, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).
“O apoio de professores franceses, assim como de italianos, alemães e portugueses, permitiu que déssemos ‘em uma geração o salto de várias’, nas palavras de um desses professores, Claude Lévi-Strauss [1908-2009]”, disse Cardoso na sessão sobre Filosofia presidida por Fernando Menezes, diretor administrativo da FAPESP e professor da Faculdade de Direito da USP.
Além de Lévi-Strauss, na área de Antropologia, Cardoso lembrou a contribuição de outros professores franceses para o desenvolvimento da universidade pública no Brasil durante o século 20: Fernand Braudel (1902-1985), em História; Roger (1898--1974) e Paul Arbousse-Bastide, em Sociologia; e Pierre Deffontaines (1894-1978) e Pierre Monbeig (1908-1987), em Geografia.
“Em Filosofia, há nomes importantes, como Jean Magué, Martial Gueroult [1891-1976], Gérard Lebrun [1930-1999] e, mais recentemente, o de Francis Wolff”, disse Cardoso. “Os genes franceses se infiltraram em nosso DNA, de tal forma que, apesar do progresso recente da Filosofia analítica e da história filológica da Filosofia, continuamos intimamente ligados aos padrões literários e reflexivos da tradição francesa.”
Cardoso também falou sobre a produção recente em filosofia política em São Paulo, levantando temas que poderiam ser desenvolvidos em novas colaborações com pesquisadores franceses.
“Na USP, desde a década de 1950, o trabalho nas áreas de filosofia política havia se centrado em doutrinas contratualistas [que tentam explicar os caminhos que levam as pessoas a formar governos e manter a ordem social] do século 17 e da Ilustração francesa, em um esforço de reconstrução das bases das teorias políticas modernas, em vista de uma compreensão adequada do embate entre liberalismo e marxismo”, disse.
“Consequentemente, formamos um grande número de acadêmicos especialistas em Hobbes [Thomas, 1588-1679], Spinoza [Baruch, 1632-1677] e Rousseau [Jean-Jacques, 1712-1778], que hoje estão espalhados por universidades brasileiras”, disse Cardoso.
“Entretanto, desde os anos 1990, os desafios do pensamento político contemporâneo têm nos forçado a promover uma qualificação que permite ir além do horizonte ‘contratualista’ moderno. O déficit republicano de nossas instituições sociais e políticas foi grandemente responsável por promover uma reflexão detalhada das diversas matrizes históricas e conceituais do republicanismo moderno”, disse.
Nesse contexto, o professor da FFLCH-USP explicou que seu grupo de estudo focalizou inicialmente o período do humanismo cívico e o “movimento maquiaveliano do início do século 16, movendo-se posteriormente para o republicanismo inglês do século 17, um tema de pesquisa do professor Alberto Barros, aqui presente (ver abaixo), e, posteriormente, para o republicanismo francês dos séculos 18 e 19, estudado atualmente em sua área”.
Esse itinerário, ele disse, resultou na produção de um número significativo de pesquisas, entre as quais destacou os trabalhos sobre Maquiavel. “Enfatizo o grande impacto da leitura de Claude Lefort sobre Maquiavel – seu trabalho Le Travail de l’Ouevre Machiavel está sendo traduzido para o português”, disse.
Segundo Cardoso, a crítica do totalitarismo e a teoria Maquiaveliana de Lefort sobre democracia “tem nos ajudado a pensar não apenas sobre o autoritarismo enraizado na história brasileira, mas também sobre o deslizamento em nossa história recente em direção ao ultraneoliberalismo e ao populismo, questões que estão sendo enfrentadas, evidentemente, não apenas no Brasil”.
O professor mencionou um encontro organizado em São Paulo, há dois anos, em colaboração com a Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais e com o Centro Raymond Aron, ambos na França, e a colaboração produtiva com a Universidade de Lyon, especialmente por meio da atuação do professor Thierry Gontier, que também participou da mesma sessão na FAPESP Week France. Diretor do Instituto de Pesquisas Filosóficas de Lyon, Gontier também ressaltou a importância da colaboração internacional para o desenvolvimento do pensamento filosófico.
Interpretações do pensamento republicano
Na mesma sessão, o professor da FFLCH-USP Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros falou sobre a importância que o republicanismo inglês e seu conceito de liberdade ganharam no campo da teoria política nas últimas décadas.
“A definição de liberdade como não dominação não corresponde ao significado dado pela tradição republicana. Deriva de uma interpretação histórica parcial e problemática do pensamento republicano”, afirmou Gonçalves de Barros.
Segundo o pesquisador, o neorrepublicanismo expressa apenas a perspectiva do republicanismo inglês, distanciando-se de importantes fontes do republicanismo moderno, como os pensamentos políticos de Nicolau Maquiavel (1469-1527) e de Rousseau.
“Esse renascimento na teoria política visa apresentar o republicanismo como uma alternativa valiosa para as diferentes formas de liberalismo. Estudos sobre o republicanismo inglês e seu conceito de liberdade assumiram uma posição proeminente no pensamento republicano das últimas décadas. Desde a publicação de The Machiavellian Moment: Florentine Political Thought and the Atlantic Republican Tradition [1975], de John Pocock, o republicanismo inglês tem sido comumente interpretado como uma manifestação do republicanismo de Maquiavel, que foi posteriormente transmitida para as colônias americanas e teve um papel importante na Revolução Americana e na formação de valores americanos”, disse.
A corrente teórica republicana (ou neorrepublicana) surgiu no fim dos anos 1980 tendo como expoentes o irlandês Phillip Pettit, do ponto de vista da Filosofia Política, e o inglês Quentin Skinner, do ponto de vista da História.
Pettit e, principalmente, Skinner, postularam a ideia de liberdade como “não dominação” ou como “não arbitrariedade" como uma alternativa às “duas liberdades” definidas por Isaiah Berlin (1909-1997) – a liberdade negativa e a positiva. A primeira consiste na participação direta dos cidadãos na vida política, no ideal de Rousseau em que todos participam do público e não há vida privada. Todos os cidadãos são livres porque se submetem às leis que eles mesmos fizeram.
A liberdade negativa consiste na ação desimpedida dos cidadãos em suas vidas e em um Estado limitado. Os cidadãos participam da vida política por meio da escolha de representantes. É o ideal liberal exposto por John Locke (1632-1704).
Liberdade e participação cívica
Gonçalves de Barros explicou que Skinner e Pettit tomaram o republicanismo inglês como uma referência principal para lidar com problemas políticos contemporâneos.
“Argumentar que o republicanismo inglês foi apenas uma expressão muito particular do pensamento republicano chama a atenção para os limites do próprio neorrepublicanismo. Skinner e Pettit apresentaram a concepção republicana da liberdade como uma opção para superar a dicotomia entre a liberdade negativa e positiva”, disse.
Segundo Gonçalves de Barros, enquanto o republicanismo clássico (desde Roma) afirmava que para desfrutar da liberdade civil foi necessário estabelecer harmonia e unidade no corpo político, Maquiavel enfatizou a necessidade de aprender a preservar a liberdade dentro do conflito.
“Os republicanos britânicos do século 17 – John Milton [1608-1674], Marchamont Nedham [1620-1678], James Harrington [1611-1677] e Algernon Sidney [1623-1683] – não tomaram essa ideia fundamental. Eles rejeitaram completamente a visão positiva de Maquiavel sobre os resultados dos conflitos civis”, disse.
“Enquanto esses autores britânicos usaram os argumentos de Maquiavel para elogiar o Commonwealth, eles não abraçaram princípios fundamentais de seu republicanismo. Houve apenas uma adoção parcial e seletiva de ideias de Maquiavel. O republicanismo inglês foi mais uma síntese do republicanismo clássico com princípios da lei comum em uma linguagem política moderna dos interesses do que a expressão do republicanismo de Maquiavel”, disse.
O simpósio FAPESP Week France acontece entre os dias 21 e 27 de novembro, graças a uma parceria entre a FAPESP e as universidades de Lyon e de Paris, ambas da França. Leia outras notícias sobre o evento em www.fapesp.br/week2019/france/.
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