Tema foi debatido por especialistas de diversos países durante a Escola São Paulo de Ciência Avançada em Saúde Mental e Intervenções Baseadas em Evidências (foto: Verônica Bender Haydu / UEL)
Tema foi debatido por especialistas de diversos países durante a Escola São Paulo de Ciência Avançada em Saúde Mental e Intervenções Baseadas em Evidências
Tema foi debatido por especialistas de diversos países durante a Escola São Paulo de Ciência Avançada em Saúde Mental e Intervenções Baseadas em Evidências
Tema foi debatido por especialistas de diversos países durante a Escola São Paulo de Ciência Avançada em Saúde Mental e Intervenções Baseadas em Evidências (foto: Verônica Bender Haydu / UEL)
Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – O aumento nos índices mundiais de ansiedade e depressão torna os cuidados com a saúde mental uma preocupação do século 21, sendo necessário criar estruturas e aplicar recursos públicos para a atenção em psicoterapia. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a depressão afete 322 milhões de pessoas no mundo. No Brasil, atinge 11,5 milhões de pessoas (5,8% da população), enquanto distúrbios relacionados à ansiedade afetam mais de 18,6 milhões de brasileiros (9,3% da população).
Nesse cenário, grupos de pesquisa em psicoterapia clínica de diferentes países ou regiões podem obter avanços significativos ao incorporar ferramentas de avaliação de resultados comuns. A geração de dados a partir de metodologias semelhantes permitiria a adoção de tecnologias avançadas de análise, como machine learning (que permite analisar uma grande quantidade de informações por métodos estatísticos, de modo a encontrar padrões de repetição que permitam fazer determinações ou predições, por exemplo).
O tema foi discutido por especialistas de diferentes orientações dentro da psicoterapia – entre elas comportamental, cognitivo comportamental e humanista – durante a São Paulo Schools of Advanced Science in Mental Health and Evidence-Based Interventions, realizada no fim de 2019, na cidade de Amparo (SP).
O evento, coordenado pelo Centro de Educação e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Carlos (CECH-UFSCar) em parceria com o Centro Paradigma de Ciências do Comportamento, teve apoio da FAPESP na modalidade Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA). Estiveram reunidos cerca de 80 pesquisadores, sendo metade do Brasil e, os demais, de Irlanda, Colômbia, Estados Unidos e Espanha.
De acordo com Maria de Jesus Dutra dos Reis, coordenadora da Escola, é preciso que a comunidade científica que produz dados em psicoterapia se reúna e impulsione a colaboração internacional em pesquisa.
No entanto, ponderou a pesquisadora, ainda não há um consenso sobre o tema entre as diversas orientações da psicoterapia. “A psicologia não é paradigmática e, portanto, terapeutas de vertentes diferentes tendem a eleger processos distintos para a mensuração dos resultados de suas intervenções. Cada um tem uma forma de sistematizar processos de intervenção, muitas vezes tornando difícil quantificar de forma unificada ou sistemática as evidências de efetividade. Fora isso, existem particularidades na conceituação e mensuração dos processos em exame nos tratamentos de psicoterapia, sobretudo em temas como subjetividade, afetos ou emoções”, disse Reis.
Trabalhos colaborativos
Um dos objetivos dos organizadores da Escola foi impulsionar estudos científicos com base em algumas ferramentas de mensuração de resultados e, assim, garantir a reprodutibilidade de estudos investigando a efetividade do processo terapêutico. Esse movimento exige que centros de pesquisa de países ou regiões diferentes trabalhem colaborativamente.
“As diretrizes que consideram tratamentos com base empírica requerem a existência de diferentes estudos clínicos randomizados e controlados em diferentes laboratórios. Afinal, é muito difícil que um único psicoterapeuta, ou laboratório, atenda um grande número de pacientes a ponto de ter uma quantidade de dados suficiente para alcançar uma base empírica”, disse Francisco Ruiz, pesquisador do Departamento de Psicologia da Fundación Universitaria Konrad Lorenz, na Colômbia, e um dos palestrantes da Escola.
Ruiz tem feito pesquisas centradas em psicologia clínica em colaboração com universidades da Espanha. “A colaboração tende a melhorar a qualidade do estudo e o impacto do artigo. Fora isso, quando temos diferentes laboratórios envolvidos em pesquisa de psicologia clínica, podemos levar em conta também novos fatores, como a cultura de um determinado país, algo ainda muito difícil de estudar cientificamente”, disse.
Entropia
De acordo com Reis, é possível traçar um paralelo entre as variáveis do processo terapêutico – presentes no profissional de saúde, no paciente, nos sistemas sociais, econômicos ou na família, por exemplo – com a Teoria do Caos.
“É possível identificar semelhanças entre o sistema com alta complexidade trabalhado na psicologia clínica e as partículas com aumento no grau de desordem [entropia] da Teoria do Caos; o processo é sofisticado, mas não podemos assumir a priori que a complexidade na investigação do processo terapêutico não possa ter uma medida comum. Precisamos trabalhar na psicologia clínica com a perspectiva de que alguma ordem, ou regra, emerge do sistema, que existiria algum modelo específico para a descrição desse aparente caos”, disse Reis.
De acordo com a Teoria do Caos, usada em disciplinas como matemática, física e biologia, as partículas não estão organizadas no ambiente quando estão em entropia. Mesmo assim, os sistemas caóticos têm regras que podem ser bem entendidas. “Só teremos modelos fortes na psicologia se tivermos muitos dados e se pudermos analisá-los da mesma forma que se analisam as entropias da Teoria do Caos”, disse.
“Não é que não há ordem, não é que um ambiente em caos não tenha um modelo explicativo; ele é um sistema ativo e instável. Por isso, é preciso criar uma quantidade grande de dados para que se identifiquem todos os subsistemas. E é isso que estamos fazendo nessa Escola, discutindo ferramentas para colocar dado a dado na análise de discurso para entender como e por que essas ‘partículas’ estão caóticas e como elas interagem”, disse.
Dessa forma, ferramentas de mensuração unificadas e análise de processos terapêuticos integrados e transculturais teriam impacto também na construção de uma pesquisa mais abrangente, podendo inclusive, ao longo do tempo, contribuir para a formulação de políticas públicas.
“A psicologia é uma ciência que precisa construir uma teoria para as mais diversas variações possíveis do comportamento, cognição e emoção dos indivíduos. Não basta a descrição dos procedimentos de intervenção que seriam eficientes apenas para a maioria das pessoas [a normativa média]. Como toda ciência humana, precisa descrever e predizer também para quem está fora dessa maioria normativa”, disse Reis.
No entanto, de acordo com a pesquisadora, apesar da importância da abrangência, é preciso estabelecer quais seriam os procedimentos de intervenção que trariam benefícios para a maioria dos indivíduos. “Afinal, quando os recursos são poucos e o sofrimento humano é severo, faz-se fundamental identificar evidências que possam guiar os diversos profissionais em saúde e, como processo decorrente, a construção de políticas de saúde mental efetivas”, disse Reis.
Michel Lambert, pesquisador da Brigham Young University (Estados Unidos), cujo método para rastrear os resultados de tratamento em psicoterapia foi aplicado por clínicas, empresas de saúde e governos em vários países do mundo, defende que falhas de tratamento sugerem a necessidade de medir e monitorar a resposta do paciente ao longo do tratamento.
“É indiscutível que a psicoterapia tem um impacto positivo nos distúrbios psicológicos. Porém, ensaios clínicos mostram que há falha na resposta de pacientes e que até 65% das pessoas em atendimento de rotina deixam o tratamento sem benefício medido. No caso da pesquisa, os estudos precisam ser replicados para que haja progresso nessa área”, disse Lambert.
Ciência da computação
Os especialistas reunidos no evento apontaram o benefício de usar áreas da ciência da computação, como o machine learning, para entender as diversas variáveis de um tratamento psicoterápico.
“É muito complexo, são muitas variáveis interagindo na psicoterapia e essas ferramentas são ótimas para o estudo de sistemas complexos. Em pesquisas sobre medo, por exemplo, levamos em conta fatores como reforço positivo, punição e controle de estímulo. Mas tudo é analisado separadamente. Não podemos tentar fazer um pacote de psicoterapia como uma pílula, pois cada decisão envolve uma reação diferente. No próprio consultório, na prática, não funciona assim", disse Felipe Corchs, professor do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FM-USP).
De acordo com o pesquisador, é possível notar que estudos em psiquiatria e neurociência têm se aproximado mais das ciências da computação. No entanto, essa tendência é menor em psicoterapia clínica, muito provavelmente pelo fato de a área ter uma carga tão grande de subjetividade.
“A psicoterapia envolve muitas ocorrências que não são tão fáceis de mensurar objetivamente, pois acontecem na vida privada das pessoas. É até possível na neurociência ou na psiquiatria medir objetivamente quanto de oxigenação há em determinada região do cérebro, ou mensurar o efeito de um medicamento. Porém, na psicoterapia não dá para medir exatamente o que o paciente está sentindo, a não ser que ele me conte, mas isso pode vir enviesado por muitos motivos”, disse.
Para Corchs, mesmo que com as novas tecnologias não se consiga eliminar o caráter subjetivo da psicoterapia, talvez seja possível acessar informação útil e capaz de trazer avanços na pesquisa.
“Nunca vamos alcançar em pesquisas científicas uma parte importante da psicoterapia que é subjetiva. Porém, não vejo outra saída sem ser formular sistemas computacionais, matemáticos e de predição. É o mais próximo que conseguimos chegar de todas as variáveis que envolvem a complexidade da psicoterapia”, disse.
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