Em peixes pacu não resistentes, a infecção pela bactéria Aeromonas hydrophila causa septicemia hemorrágica, cujos sintomas são nadadeiras avermelhadas, lesões na pele e perda de sangue, frequentemente seguidos de morte em algumas horas (foto: Vito Antonio Mastrochirico Filho/Caunesp)
Programa de melhoramento selecionou exemplares de pacu resistentes à bactéria Aeromonas hydrophila por meio de genética quantitativa e genômica; reprodutores foram disponibilizados a criadores parceiros da iniciativa
Programa de melhoramento selecionou exemplares de pacu resistentes à bactéria Aeromonas hydrophila por meio de genética quantitativa e genômica; reprodutores foram disponibilizados a criadores parceiros da iniciativa
Em peixes pacu não resistentes, a infecção pela bactéria Aeromonas hydrophila causa septicemia hemorrágica, cujos sintomas são nadadeiras avermelhadas, lesões na pele e perda de sangue, frequentemente seguidos de morte em algumas horas (foto: Vito Antonio Mastrochirico Filho/Caunesp)
André Julião | Agência FAPESP – Um grupo liderado por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) apoiados pela FAPESP desenvolveu, pela primeira vez na América do Sul, uma linhagem de peixe nativo resistente a uma bactéria. Os exemplares de pacu (Piaractus mesopotamicus) geneticamente selecionados têm uma resistência maior à bactéria Aeromonas hydrophila, responsável por prejuízos na piscicultura no mundo todo. Em média, a resistência a doenças em peixes aumenta entre 10% e 20% a cada nova geração.
O melhoramento foi possível graças a quatro estudos que determinaram, entre outros fatores, o tipo de herança genética e os genes responsáveis pela imunidade contra a bactéria. As descobertas mais recentes foram publicadas na revista BMC Genomics.
“A única espécie de peixe melhorada produzida hoje no Brasil é exótica. A tilápia é um peixe africano que chegou já com um programa de melhoramento desenvolvido no exterior, que agora vem sendo aprimorado no país. Escolhemos o pacu porque ele é nativo e cultivado há cerca de 30 anos, mas toda a produção ainda é baseada em lotes sem melhoramento”, diz Diogo Teruo Hashimoto, pesquisador do Centro de Aquicultura da Unesp (Caunesp) e coordenador dos estudos.
Hashimoto coordena o projeto “Estudo de associação genômica ampla de baixo custo e predições genômicas para resistência a Aeromonas hydrophila em pacu (Piaractus mesopotamicus)”, financiado pela FAPESP em convênio com a Comisión Nacional de Investigación Científica y Tecnológica (CONICYT), do Chile. O projeto tem como líder no exterior José Yáñez, professor da Universidade do Chile.
Os estudos têm como primeiro autor Vito Antonio Mastrochirico Filho e foram realizados durante seu mestrado e doutorado no Caunesp, com bolsa da Fundação.
No trabalho mais recente, os pesquisadores fizeram uma análise genômica de populações submetidas à infecção pela bactéria e descobriram várias regiões cromossômicas associadas à resistência. Foram encontrados pelo menos 38 genes relacionados ao sistema imune. “É muito raro que apenas um ou dois genes tenham um papel determinante na resistência a algum patógeno em peixes. Nesse caso, provavelmente a combinação desses genes é que protege a espécie”, explica Hashimoto.
A infecção por Aeromonas hydrophila causa septicemia hemorrágica, cujos sintomas são nadadeiras avermelhadas, lesões na pele e perda de sangue, frequentemente seguidos de morte em algumas horas.
Seleção artificial
Para chegar à linhagem melhorada, porém, os pesquisadores primeiro tinham de saber qual era a composição genética dos pacus disponíveis no mercado. Para isso, analisaram exemplares coletados de sete criadores no Estado e de uma população selvagem do rio Paraná. Os resultados foram publicados em 2019 na revista Genes.
A partir da análise, foram selecionados diferentes exemplares a fim de obter a maior variabilidade genética possível. Os cruzamentos deram origem a 36 famílias, totalizando 1.094 indivíduos. Cerca de 30 indivíduos de cada família foram submetidos, então, ao chamado teste-desafio. Divididos em três tanques, foram infectados com a bactéria e acompanhados por 14 dias. As taxas de mortalidade variaram de zero a 65%. Além disso, novas análises genômicas mostraram que as características eram herdáveis. O estudo foi publicado na Aquaculture.
“Por questões de biossegurança, não podemos utilizar os animais que sobreviveram à infecção como reprodutores, pois eles podem transmitir a bactéria para outros indivíduos. Usamos, então, os irmãos deles que não foram submetidos ao teste-desafio. Como as análises mostravam que os sobreviventes tinham características genéticas herdáveis, traços como a resistência ao patógeno provavelmente estavam presentes nos irmãos, que também são analisados por meio da genômica”, afirma o pesquisador.
Os peixes do teste-desafio foram analisados em outro estudo, publicado na Frontiers in Genetics. O objetivo foi determinar como a infecção pela bactéria afeta a expressão de determinados genes do pacu. A análise do chamado transcriptoma – conjunto de RNAs mensageiros transcritos – mostrou um desequilíbrio do sistema imune, com excesso de citocinas anti-inflamatórias e interleucinas, desregulação da fagocitose – que ajuda a combater invasores – e do sistema complemento, que ativa a resposta imune. Além disso, a capacidade de coagulação foi prejudicada, o que favorece a hemorragia característica da septicemia causada pela bactéria.
Os animais com genética superior para resistência foram selecionados ainda para melhores taxas de crescimento e, em seguida, os reprodutores da nova linhagem foram distribuídos a piscicultores parceiros no Estado de São Paulo. São eles que fazem a disseminação do material genético entre outros criadores.
Outros animais vivem no núcleo de melhoramento genético do Caunesp, em Jaboticabal, onde os estudos foram realizados. A cada três anos, tempo de maturação da espécie, uma nova seleção vai adicionar novas características favoráveis à linhagem.
Na próxima geração, os pesquisadores planejam selecionar indivíduos resistentes à Flavobacterium columnare, bactéria causadora da columnariose, doença que afeta peixes de norte a sul do Brasil.
“Uma vez que não existem vacinas comerciais para peixes nativos e o manejo de antibióticos e outros medicamentos é problemático no ambiente aquático, o desenvolvimento de linhagens resistentes a doenças é fundamental para garantir um pescado de qualidade”, encerra Hashimoto.
O artigo Development of a SNP linkage map and genome-wide association study for resistance to Aeromonas hydrophila in pacu (Piaractus mesopotamicus) pode ser lido em: bmcgenomics.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12864-020-07090-z.
O trabalho Transcriptome Profiling of Pacu (Piaractus mesopotamicus) Challenged With Pathogenic Aeromonas hydrophila: Inference on Immune Gene Response está disponível em: www.frontiersin.org/articles/10.3389/fgene.2020.00604/full.
Para ler o artigo Genetic parameters for resistance to Aeromonas hydrophila in the Neotropical fish pacu (Piaractus mesopotamicus), assinantes da Aquaculture devem acessar: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0044848619313754.
Finalmente, o primeiro artigo da série está aberto para consulta em: www.mdpi.com/2073-4425/10/9/668.
A Agência FAPESP licencia notícias via Creative Commons (CC-BY-NC-ND) para que possam ser republicadas gratuitamente e de forma simples por outros veículos digitais ou impressos. A Agência FAPESP deve ser creditada como a fonte do conteúdo que está sendo republicado e o nome do repórter (quando houver) deve ser atribuído. O uso do botão HMTL abaixo permite o atendimento a essas normas, detalhadas na Política de Republicação Digital FAPESP.