Às vésperas da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, a revisão da Contribuição Nacionalmente Determinada do país, em 2020, não apenas deixou de melhorar as metas como, na prática, incorporou um aumento real das emissões, afirmaram participantes de webinário promovido pela FAPESP (imagem: reprodução)
Às vésperas da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, a revisão da Contribuição Nacionalmente Determinada do país, em 2020, não apenas deixou de melhorar as metas como, na prática, incorporou um aumento real das emissões, afirmaram participantes de webinário promovido pela FAPESP
Às vésperas da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, a revisão da Contribuição Nacionalmente Determinada do país, em 2020, não apenas deixou de melhorar as metas como, na prática, incorporou um aumento real das emissões, afirmaram participantes de webinário promovido pela FAPESP
Às vésperas da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, a revisão da Contribuição Nacionalmente Determinada do país, em 2020, não apenas deixou de melhorar as metas como, na prática, incorporou um aumento real das emissões, afirmaram participantes de webinário promovido pela FAPESP (imagem: reprodução)
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Adiada no ano passado devido à pandemia, a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP26) está programada para ocorrer na cidade de Glasgow, na Escócia, de 01 a 12 de novembro de 2021, sob a presidência do Reino Unido. Grandes expectativas estão postas no encontro, que, nas palavras do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, é “um marco crítico nos esforços para evitar uma catástrofe climática”.
Guterres lembrou, em discurso recentemente proferido na Assembleia Geral da ONU, que o mundo continua muito longe de conter o aquecimento global abaixo de 2 ºC, preferencialmente em 1,5 ºC, como definido no Acordo de Paris, de 2015. “A coalizão global para emissões líquidas zero [de gases de efeito estufa] precisa crescer exponencialmente”, disse.
A COP26 deverá tratar da implementação das metas acordadas em Paris e das ações urgentes que precisam ser adotadas diante do cenário global de mudança climática. Nesse contexto, a avaliação das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, conforme as letras iniciais da expressão em inglês) de cada país signatário e de seu estágio de implementação são de fundamental importância. As NDCs são compromissos voluntários assumidos pelos 196 países que assinaram o Acordo de Paris. Cada um deles teve cinco anos para apresentar e revisar sua NDC.
Na primeira versão da NDC brasileira, de 2015, o país assumiu a meta de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e em 43% até 2030, tomando como base as emissões de 2005. Na revisão da NDC, publicada no final de 2020, esses percentuais foram mantidos, mas os valores considerados como base de cálculo foram mais altos do que os utilizados na NDC original. Ou seja, não apenas deixou-se de melhorar as metas, como seria desejável, mas também foi embutido, sob os números apresentados, um aumento real das emissões.
Segundo a matemática Thelma Krug, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e vice-presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, ao contrário do que ocorreu em 2015, quando a NDC brasileira foi fruto de um amplo debate, envolvendo políticos, cientistas e representantes de organizações da sociedade civil, “não houve consulta pública para a revisão de 2020, nem há um plano de implementação”.
A afirmação foi feita durante o segundo webinário da série “COP 26: Discutindo a NDC Brasileira”. Promovido pela FAPESP, o evento desenvolveu o tema “Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) Brasileira: Governança e Aspectos Econômicos e Sociais”.
Além de Krug, o webinário teve como palestrantes Joaquim Guilhoto, professor titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e economista da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); Ana Toni, ex-presidente de conselho do Greenpeace Internacional e atual diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS); e Ana Maria Nusdeo, professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD-USP) e ex-presidente do Instituto O Direito por um Planeta Verde.
O evento foi aberto por Luiz Eugênio Mello, diretor científico da FAPESP, e Jean Ometto, pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e membro da Coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG). E moderado por Jacques Marcovitch, professor sênior da FEA-USP e ex-reitor da USP.
O quadro global é extremamente preocupante, como mostrou Krug em sua apresentação. Segundo a pesquisadora, a compilação e compatibilização dos dados de todas as NDCs, realizadas pelos especialistas do IPCC em 2018, portanto antes da revisão de 2020, mostraram que trajetórias de emissões de gases de efeito estufa levariam, até o final do presente século, a um aquecimento global de 3 ºC, com a temperatura média continuando a aumentar depois disso. “Algo totalmente inconsistente com as metas estabelecidas no Acordo de Paris”, disse.
Neste contexto, que exige ações drásticas de redução das emissões de gases de efeito estufa pelos vários países, as metas da revisão da NDC brasileira, de 2020, configuram, na prática, um aumento real das emissões no comparativo com as metas da primeira versão da NDC, de 2015. Em milhões de gigatoneladas de equivalente de CO2, o aumento seria de 1,38 para 1,72, em 2025, e de 1,25 para 1,56, em 2030 (números aproximados).
“Além disso, o governo brasileiro condiciona a meta de emissões líquidas zero em 2060 [indicando que pode antecipar para 2050] ao funcionamento apropriado dos mecanismos de mercado, nos termos do artigo 6 do Acordo de Paris. E, adicionalmente, clama por receber US$ 10 bilhões por ano a partir de 2021, incluindo na utilização desses recursos a conservação da floresta nativa”, destacou Krug.
Além de ser uma necessidade imperiosa para a sustentabilidade do planeta e o bem-estar das populações, a redução consistente das emissões rumo à emissão zero é também o futuro da economia globalizada, como mostrou Guilhoto em sua apresentação. “Depois da queda da atividade econômica causada pela pandemia, muitos países estão aproveitando este momento histórico para retomar sua atividade econômica e seu desenvolvimento em novas bases. Estados Unidos, China e União Europeia estão reformulando suas formas de produzir e utilizar energia e investindo em novas tecnologias com baixas emissões”, disse.
Em contraste, as exportações do Brasil são extremamente intensivas em carbono, o que constitui uma grande fragilidade do país no novo cenário econômico global. “Está em discussão a tributação do carbono nas fronteiras. Os países vão mensurar a quantidade de carbono incorporada nos bens importados e ela será tributada de forma a beneficiar a produção local com baixo percentual de carbono agregado. Ao mesmo tempo, a União Europeia e instituições internacionais, como o FMI [Fundo Monetário Internacional] e a OCDE, estão desenvolvendo uma série de instrumentos que deverão impactar os investimentos e os crescimentos das economias, condicionando o financiamento dos países e das empresas à produção de bens com baixa emissão ou neutros em carbono”, informou Guilhoto.
Tudo isso se dá em um cenário global caracterizado pela emergência de novos atores sociais, políticos e econômicos, que despontaram com a agenda do clima e estão influenciando as políticas nacionais e internacionais. Foi o que destacou Ana Toni em sua apresentação. “À evidência científica incontestável do aquecimento global, nos anos 1960, seguiram-se campanhas negacionistas patrocinadas pelas petroleiras nos anos 1980. Isso rapidamente politizou o debate da questão climática. Mas esse debate esteve por um longo tempo confinado no interior de uma bolha. Nos últimos dez anos, porém, essa bolha estourou. E as mobilizações pelo clima, tendo a ciência como pilar, espalharam-se pela sociedade como um todo”, afirmou.
Mobilizações pela justiça climática, incorporando o tema do aquecimento global à pauta de direitos humanos; ativismo ambientalista de jovens, como Greta Thunberg e muitos outros, ocupando espaços públicos e mídias sociais; movimentações de investidores e acionistas, obrigando grandes corporações a rever suas políticas negacionistas; litigância climática no judiciário, questionando governos e grandes empresas; critérios ambientais sendo incorporados aos planos de recuperação econômica: estas formas novas de enfrentamento da crise climática, todas elas embasadas em ciência, foram citadas por Toni como exemplos de um protagonismo que ultrapassou o âmbito restrito dos fóruns de negociações para ganhar expressão social.
“Pandemia e mudanças climáticas pautam a geopolítica de 2021. Estados Unidos e União Europeia usam incentivos fiscais para colocar o clima no centro da agenda econômica como alavanca de desenvolvimento. A grande novidade, não resta dúvida, foi a saída de [Donald] Trump, negacionista, e a entrada de [Joe] Biden, cuja primeira ação foi não só voltar ao Acordo de Paris, mas também chamar um grande evento, realizado em abril, o Leaders Summit on Climate [Cúpula Mundial de Lideres pelo Clima]”, afirmou Toni.
Na apresentação seguinte, Nusdeo lembrou que tratados internacionais, como o Acordo de Paris, uma vez internalizados pelo país, adquirem status de lei ordinária, sendo o seu descumprimento passível de punição.
“O acordo determina, no artigo 4, que as partes devem preparar, comunicar e manter sucessivas contribuições nacionalmente determinadas. E adotar medidas com o fim de alcançar os objetivos dessas contribuições. O texto expressa uma forte expectativa de que as sucessivas NDCs apresentem uma progressão. Mas não estabelece um mecanismo punitivo para os países que venham a descumprir as metas”, disse Nusdeo.
Como explicou a professora da FD-USP, e também outros participantes do painel, esse caráter flexível foi adotado para que o Acordo de Paris obtivesse o maior número de adesões no menor intervalo de tempo. Mas o documento estabeleceu um mecanismo de transparência, composto por comunicações nacionais, relatórios bienais e avaliações e revisões internacionais, com o objetivo de expor as ações dos governos aos olhos da comunidade internacional e da própria sociedade civil de seus respectivos países.
Internalizado pelo Decreto 9073, de 2017, o Acordo de Paris adquiriu, no Brasil, o status de lei ordinária. “Devido a esse status de lei, é possível que se pleiteie, perante o poder judiciário, o cumprimento dessa obrigação. Foi nesse sentido que surgiu, em abril de 2021, uma ação popular, proposta por um grupo de jovens militantes na área ambiental, demandando a nulidade da NDC de 2020, como ato lesivo ao patrimônio público, e a apresentação de nova NDC com progressividade”, informou Nusdeo.
O problema, segundo a especialista, é que o tempo de resposta do direito é lento, em contraste com a emergência da questão climática. Como alternativa, ela apresentou a proposta de criação de uma Agência Reguladora sobre Mudança do Clima, com ausência de subordinação hierárquica, autonomia funcional, administrativa e financeira e mandato fixo de seus membros.
A íntegra do webinário pode ser acessada em www.youtube.com/watch?v=uyUwz5JF-WA.
A Agência FAPESP licencia notícias via Creative Commons (CC-BY-NC-ND) para que possam ser republicadas gratuitamente e de forma simples por outros veículos digitais ou impressos. A Agência FAPESP deve ser creditada como a fonte do conteúdo que está sendo republicado e o nome do repórter (quando houver) deve ser atribuído. O uso do botão HMTL abaixo permite o atendimento a essas normas, detalhadas na Política de Republicação Digital FAPESP.