Pesquisa conduzida no CNPEM revela processo biológico usado por Xanthomonas para enfraquecer a defesa das plantas e descobre enzima que será útil no aproveitamento de resíduos agroindustriais (estrutura molecular da nova classe de enzimas descoberta em Xanthomonas; imagem: acervo dos pesquisadores)
Pesquisa conduzida no CNPEM revela processo biológico usado por Xanthomonas para enfraquecer a defesa das plantas e descobre enzima que será útil no aproveitamento de resíduos agroindustriais
Pesquisa conduzida no CNPEM revela processo biológico usado por Xanthomonas para enfraquecer a defesa das plantas e descobre enzima que será útil no aproveitamento de resíduos agroindustriais
Pesquisa conduzida no CNPEM revela processo biológico usado por Xanthomonas para enfraquecer a defesa das plantas e descobre enzima que será útil no aproveitamento de resíduos agroindustriais (estrutura molecular da nova classe de enzimas descoberta em Xanthomonas; imagem: acervo dos pesquisadores)
Luciana Constantino | Agência FAPESP – A Xanthomonas, bactéria responsável pelo cancro cítrico e conhecida como “vilã” da citricultura, pode ser uma aliada na fabricação de produtos biorrenováveis, como etanol, tintas, plásticos e outros tipos de químicos atualmente derivados do petróleo.
Estudo publicado em junho na revista Nature Communications por um grupo do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas, revela os processos biológicos usados pela bactéria para enfraquecer o sistema de defesa das plantas. Também foi descoberta uma nova classe de enzimas (chamada de CE20) capaz de potencializar a infecção.
De acordo com a pesquisa, apoiada pela FAPESP, a bactéria mobiliza essas enzimas para destruir a parede celular da planta, que funciona como uma espécie de barreira contra a entrada de patógenos.
Ao invadir as células, elas induzem a produção de proteínas capazes de desencadear fatores que aumentam a virulência da contaminação. Entre eles está o “sistema de secreção tipo 3”, uma espécie de “agulha” molecular que a bactéria insere na parede celular degradada da planta para injetar as proteínas de virulência.
O estudo detalha a ação no nível atômico de múltiplos componentes enzimáticos de forma orquestrada para desmantelar o xiloglucano, um dos mais complexos carboidratos que dá resistência à parede celular primária das plantas. Essa descoberta revela mais uma via de sinalização que possibilita a entrada da bactéria.
“Demonstramos a existência de uma maquinaria molecular conservada nesses patógenos, especializada no xiloglucano. Elucidamos no nível bioquímico e estrutural a atuação dos componentes enzimáticos dessa maquinaria. Descobrir essas novas formas de desconstrução desse carboidrato fornece alternativas de aplicação em bioeconomia e em biorrefinaria. Podemos obter novas combinações de coquetéis enzimáticos, mais eficazes e capazes de desconstruir a biomassa vegetal para produzir, por exemplo, etanol, querosene de avião e outros químicos”, explica Mário Tyago Murakami, coordenador da pesquisa e diretor científico do Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR), que integra o CNPEM.
O centro já desenvolve outras plataformas microbianas para biorrefinarias, como o coquetel enzimático produzido por um fungo (RUT-C30). Com patente depositada, essa plataforma customizada para a realidade brasileira foi testada em ambiente industrial e viabiliza a montagem de biorrefinarias para obtenção de açúcares avançados a partir de resíduos agroindustriais, com menor impacto ambiental e substituindo insumos de origem fóssil.
Segundo Murakami, ao revelar os novos componentes que potencializam a infecção da planta, a pesquisa também contribui com o desenvolvimento de estratégias de combate ao cancro, com o desenho de potenciais inibidores para esse grupo de bactérias.
"Usando o patógeno do cancro cítrico como organismo modelo, mostramos que esse sistema abrange hidrolases glicosídicas distintas, transportadores de membrana específicos e uma classe inédita de esterase. Tais dados bioquímicos e mecanísticos destacam que as bactérias associadas a plantas empregam estratégias moleculares muito distintas daquelas usadas por bactérias intestinais, por exemplo, para lidar com xiloglucanos. Juntas, essas descobertas lançam luz sobre os mecanismos moleculares que sustentam o complexo sistema enzimático de Xanthomonas para despolimerizar carboidratos da parede celular vegetal e revelam um papel para esse sistema em via de sinalização para promover a virulência", escreve o grupo no artigo.
Além da citricultura, a Xanthomonas ataca vários outros tipos de plantação, como arroz, algodão e banana. Considerado uma das mais importantes doenças na citricultura mundial, o cancro cítrico provoca lesões marrons, salientes e ásperas nos frutos. Acaba levando à queda prematura das folhas e dos frutos, reduzindo a produtividade das plantas afetadas.
No ano passado, o cancro cítrico registrado no cinturão de São Paulo e do Triângulo/Sudoeste Mineiro, um dos maiores produtores de laranja do Brasil, cresceu 15% em relação a 2019. A doença atingiu cerca de 34 milhões de plantas, segundo levantamento do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), que apontou entre os fatores do aumento a decisão de São Paulo de permitir a manutenção de árvores sintomáticas nos pomares.
Na safra 2020/2021, a entidade já registrou a perda de 1,27 milhão de caixas do fruto (de cerca de 40 kg cada uma) em decorrência da doença.
Aplicando ciência
Para realizar a pesquisa, o grupo utilizou uma abordagem multidisciplinar, incluindo análises filogenéticas e transcriptômica, nocauteamento gênico, clonagem molecular e mutagênese, além de experimentos com luz síncrotron, como espalhamento e difração de raios X.
Os dados de difração foram adquiridos na linha de luz de cristalografia de macromoléculas MX2 da antiga fonte de luz síncrotron do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS-CNPEM). Foram usadas ainda técnicas de engenharia genética e experimentação in vivo em plantas no Laboratório Nacional de Biociências (LNBio).
O estudo levou cerca de cinco anos e envolveu 23 pesquisadores, incluindo professores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
"Não é comum no Brasil ter um conjunto de teses de doutorado e projetos de pós-doutoramento olhando sistematicamente para o mesmo problema. Essa forma de trabalho em equipe e com compartilhamento coletivo tem feito uma grande diferença nas nossas pesquisas, aumentado a capacidade de entrega e o impacto das descobertas", diz Murakami, em entrevista à Agência FAPESP.
Outro estudo da equipe envolvendo o sistema enzimático de Xanthomonas para desconstrução da parede celular vegetal foi publicado também na Nature Communicationsem janeiro. Mostrou, por meio de cálculos quânticos e experimentos em alta resolução, que enzimas de grande importância industrial (como as hidrolases glicosídicas) podem funcionar por itinerários catalíticos alternativos e viáveis do ponto de vista termodinâmico.
O trabalho quebrou o paradigma de que o itinerário catalítico (conjunto de modificações químicas e estruturais que um determinado substrato sofre pela ação de uma enzima) era único para cada par de enzima-substrato.
Essa linha de estudo vem sendo continuada na Manacá, primeira estação de pesquisa do Sirius aberta à comunidade científica e empresas interessadas em investigar a composição e a estrutura da matéria em suas variadas formas e com aplicações em várias áreas do conhecimento.
O Sirius, ligado ao CNPEM, é um acelerador de elétrons de última geração, projetado para ser uma das mais avançadas fontes de luz síncrotron do mundo na sua categoria. “No Sirius, saímos de imagens e estatísticas, para analisar eventos dinâmicos em vídeos dos processos catalíticos das enzimas descobertas nesse estudo”, afirma Murakami.
A pesquisa com a bactéria Xanthomonas teve o apoio da FAPESP por meio de dois Projetos Temáticos (15/26982-0 e 15/13684-0), quatro Bolsas de Pós-Doutorado (16/06509-0, 17/14253-9, 16/19995-0 e 19/13936-0) e duas Bolsas de Doutorado (17/00203-0 e 18/03724-3).
O artigo Xyloglucan processing machinery in Xanthomonas pathogens and its role in the transcriptional activation of virulence factors pode ser lido em www.nature.com/articles/s41467-021-24277-4.
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