Pesquisadores da UFSCar e da Unesp avaliaram em 109 voluntários hospitalizados os determinantes da disfunção endotelial – condição em que os vasos sanguíneos perdem a capacidade de se contrair e relaxar adequadamente, aumentando o risco de eventos como infarto, trombose e acidente vascular cerebral (foto: acervo dos pesquisadores)
Pesquisadores da UFSCar e da Unesp avaliaram em 109 voluntários hospitalizados os determinantes da disfunção endotelial – condição em que os vasos sanguíneos perdem a capacidade de se contrair e relaxar adequadamente, aumentando o risco de eventos como infarto, trombose e acidente vascular cerebral
Pesquisadores da UFSCar e da Unesp avaliaram em 109 voluntários hospitalizados os determinantes da disfunção endotelial – condição em que os vasos sanguíneos perdem a capacidade de se contrair e relaxar adequadamente, aumentando o risco de eventos como infarto, trombose e acidente vascular cerebral
Pesquisadores da UFSCar e da Unesp avaliaram em 109 voluntários hospitalizados os determinantes da disfunção endotelial – condição em que os vasos sanguíneos perdem a capacidade de se contrair e relaxar adequadamente, aumentando o risco de eventos como infarto, trombose e acidente vascular cerebral (foto: acervo dos pesquisadores)
Karina Toledo | Agência FAPESP – Em pacientes com COVID-19, a obesidade é o fator que mais se associa ao desenvolvimento de disfunção endotelial – condição em que os vasos sanguíneos perdem a capacidade de se contrair e relaxar adequadamente, aumentando o risco de eventos como infarto, trombose e acidente vascular cerebral (AVC).
A constatação foi feita por um grupo de pesquisadores apoiado (17/25648-4 e 15/26501-1) pela FAPESP com base em dados de 109 pacientes internados com quadros moderados da doença. Os resultados foram divulgados na revista Obesity
“Fizemos a caracterização geral desses pacientes e tentamos identificar quais fatores poderiam modular ou acentuar o dano endotelial. Os resultados indicam que o item mais preponderante foi o IMC [índice de massa corporal]. Em segundo lugar, com bem menos relevância, encontramos o nível de creatinina no sangue, que é um marcador relacionado à função renal”, conta Alessandro Domingues Heubel, doutorando no Programa de Pós-Graduação em Fisioterapia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e primeiro autor do artigo.
Heubel explica que o IMC é uma das principais ferramentas usadas por profissionais de saúde para mensurar o grau de sobrepeso e obesidade. O índice é calculado dividindo-se o peso (em quilos) pela altura (em metros) ao quadrado. Indivíduos com resultado igual ou superior a 30 kg/m2 são considerados obesos.
Foram incluídos na pesquisa pacientes de ambos os sexos, com idade média de 51 anos, internados no Hospital Estadual de Bauru e na Santa Casa de São Carlos. A obesidade foi a comorbidade mais prevalente (62%) nessa população, seguida por hipertensão (47%) e diabetes (17%).
Amostras de sangue foram coletadas logo após a admissão hospitalar e a função endotelial foi avaliada 72 horas depois, por meio de um parâmetro conhecido como dilatação mediada pelo fluxo (FMD, na sigla em inglês). O método não invasivo consiste em medir o diâmetro da artéria braquial (no braço), por meio de um exame de ultrassom vascular, antes e depois de uma manobra que obstrui o fluxo sanguíneo do antebraço durante alguns minutos.
“Imediatamente após a desobstrução, há um aumento do fluxo de sangue na artéria e isso constitui um estímulo mecânico para as células endoteliais [que formam o revestimento interno dos vasos sanguíneos] produzirem óxido nítrico, uma substância vasodilatadora. Quanto mais a artéria se dilata, melhor a função endotelial. E vimos que os pacientes obesos, no período de infecção ativa pela COVID-19, tinham dilatação mediada pelo fluxo muito pequena”, conta o doutorando.
Além da FMD e do IMC, foi mensurada a força de preensão manual (medida com um dinamômetro e aplicada para avaliar a capacidade física) e analisados os níveis sanguíneos de hemoglobina, leucócitos, linfócitos, plaquetas, proteína C-reativa (marcador de inflamação), ferritina, D-dímero (marcador de trombose) e creatinina. Considerou-se ainda, na análise, a idade, a presença de comorbidades, a prática de atividade física, tabagismo e medicamentos usados. No momento em que foram avaliados, nenhum participante estava internado em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), mas 72% faziam uso de suplementação de oxigênio.
Para encontrar os determinantes da disfunção endotelial na amostra avaliada, foi feita uma análise de regressão univariada (técnica estatística que permite considerar cada fator de risco isoladamente) e também uma análise de regressão múltipla (que analisa os fatores em conjunto). Somente o IMC elevado e o nível de creatinina tiveram relação direta com a redução da FMD.
Segundo a professora da UFSCar Renata Gonçalves Mendes, orientadora de Heubel, cada unidade a mais no IMC representou uma redução de 0,19% da FMD.
“Quando dois pacientes com COVID-19 são comparados, um com peso normal [IMC de 20 kg/m2] e o outro com obesidade [IMC de 30 kg/m2], este último tende a ter um valor de FMD 1,9% menor. Com base em conhecimento prévio, isso sugere um risco cardiovascular aumentado em aproximadamente 17%", afirmam os pesquisadores no artigo
“Na prática clínica, vemos que os obesos têm mais eventos cardiovasculares durante a internação. Nosso estudo pode ajudar a entender um dos mecanismos pelos quais isso acontece e por que a obesidade aumenta o risco de agravamento da COVID-19”, diz Mendes à Agência FAPESP.
Evidências anteriores
Desde o início da pandemia causada pelo SARS-CoV-2, diversos estudos aventaram a hipótese de que o vírus poderia infectar e lesionar diretamente as células endoteliais, o que foi comprovado em análises feitas com amostras de autópsias feitas em pacientes que morreram de COVID-19.
Especula-se ainda que a lesão do endotélio pelo vírus esteja associada a distúrbios de coagulação sanguínea (formação de microtrombos) e ao desenvolvimento de disfunção endotelial intensa e sistêmica, dois fatores que levariam ao agravamento do quadro.
“Ainda não sabemos ao certo em que medida a disfunção endotelial é decorrente da lesão direta causada pelo vírus ou uma consequência da tempestade de citocinas [liberação de moléculas inflamatórias pelo sistema imune] típica da COVID-19”, pondera Heubel.
Estudos anteriores já haviam demonstrado que a obesidade eleva o risco de agravamento da COVID-19 independentemente da idade, do sexo, da etnia e da existência de comorbidades como diabetes, hipertensão, doença cardíaca ou pulmonar (leia mais em: agencia.fapesp.br/34049/). Entre os motivos estão as alterações mecânicas no sistema respiratório causadas pelo aumento do conteúdo abdominal, que comprime o diafragma e o pulmão. Além disso, os obesos frequentemente apresentam disfunções no sistema imune.
Há evidências de que o SARS-CoV-2 é capaz de infectar as células do tecido adiposo, que acabam servindo de reservatório para o patógeno. Isso contribui para que, de modo geral, a carga viral do obeso seja mais alta que a de indivíduos sem sobrepeso (leia mais em: agencia.fapesp.br/33612/).
“Uma possível explicação para nossos achados é que a maior carga viral dos obesos aumenta o risco de infecção direta das células endoteliais. Também é possível que a inflamação, que costuma ser mais exacerbada em indivíduos acima do peso, tenha influência no processo. Mas por limitações associadas ao desenho do estudo não foi possível observar uma correlação direta entre os marcadores inflamatórios e a FMD”, conta o doutorando.
Para os pesquisadores, os profissionais de saúde devem ficar mais atentos a complicações vasculares ao tratar de pacientes obesos com COVID-19. “Por serem mais suscetíveis a eventos cardiovasculares, precisam ser mais assistidos. E temos várias estratégias para evitar que as complicações se desenvolvam”, diz Heubel.
Mendes considera que os achados abrem caminho para a busca de novas abordagens terapêuticas focadas no endotélio. “Seria interessante buscar um composto capaz de barrar o processo que leva à disfunção endotelial, visto que é um fator que eleva o risco de complicações graves.”
Emmanuel Gomes Ciolac, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Bauru e coautor do artigo, conta que muitos participantes do estudo evoluíram para casos críticos durante a internação e precisaram ser internados em UTI.
“Este é um projeto grande, no qual os pacientes estão sendo avaliados em três etapas: hospitalar, entre 30 e 45 dias após a alta e, novamente, quatro meses após a alta hospitalar. Mais resultados devem ser divulgados em breve”, conta.
Para Ciolac, os dados obtidos até o momento reforçam a necessidade de a sociedade olhar para a obesidade como problema sério. “São urgentes estratégias de saúde pública amplas e eficientes para o combate a essa doença, que está associada à maior gravidade da COVID-19 e de inúmeras outras enfermidades.”
O artigo Determinants of endothelial dysfunction in non-critically ill hospitalized COVID-19 patients: a cross-sectional study pode ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/oby.23311.
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