Modelo computacional da nanopartícula de ouro funcionalizada com os enantiômeros esquerdos da cisteína e da fenilalanina (imagem: acervo dos pesquisadores)
Material não é princípio ativo, mas atua como adjuvante e foi testado com êxito em uma cepa de vírus de influenza, causador da gripe. Realizada por uma equipe multinacional com participação brasileira, a pesquisa foi publicada na Nature
Material não é princípio ativo, mas atua como adjuvante e foi testado com êxito em uma cepa de vírus de influenza, causador da gripe. Realizada por uma equipe multinacional com participação brasileira, a pesquisa foi publicada na Nature
Modelo computacional da nanopartícula de ouro funcionalizada com os enantiômeros esquerdos da cisteína e da fenilalanina (imagem: acervo dos pesquisadores)
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – A eficácia de vacinas pode ser expressivamente aumentada, em mais de 25%, se forem agregadas como adjuvantes nanopartículas de ouro quirais, orientadas para a esquerda. A descoberta foi feita por colaboração internacional com participação de pesquisadores brasileiros. Artigo a respeito acaba de ser publicado na revista Nature.
O estudo reuniu grupos de pesquisa das universidades de Michigan, nos Estados Unidos, e de Jiangnan, na China. A participação brasileira foi liderada por André Farias de Moura, professor do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e pesquisador do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da FAPESP.
A investigação também recebeu financiamento da FAPESP por meio de auxílio à pesquisa concedido a Moura.
O trabalho não foi realizado com vacinas contra a COVID-19, porque começou a ser feito bem antes da atual pandemia. Os pesquisadores utilizaram vacinas desenvolvidas para uma cepa de vírus de influenza, que também não é aquela que está circulando atualmente no Brasil. Mas os resultados podem, em princípio, ser generalizados para qualquer tipo de vacina – com estudos complementares caso a caso, evidentemente. Isso porque a nanopartícula de ouro quiral orientada para a esquerda não é o princípio ativo da vacina, mas um adjuvante que potencializa a resposta do sistema imune ao imunizante.
“A chave para entender a contribuição dessas nanopartículas é o conceito de quiralidade, que se aplica a um objeto ou sistema que não pode ser sobreposto à sua imagem no espelho”, diz Moura à Agência FAPESP.
O termo deriva da palavra grega kheir, que significa mão. E o exemplo por excelência de quiralidade é dado exatamente por nossas mãos direita e esquerda. Quando nos olhamos no espelho com as duas mãos espalmadas para frente, a mão que vemos à direita da imagem é nossa mão esquerda. E vice-versa.
“Tudo que é vivo no planeta Terra é quiral. Moléculas quirais podem ter propriedades completamente diferentes, quer sejam orientadas para a esquerda ou para a direita. As duas formas quirais de uma mesma molécula são chamadas de enantiômeros. Um exemplo trágico foi o da talidomida, fármaco produzido para o tratamento de náuseas durante a gestação que, na década de 1960, causou um surto mundial de malformações em fetos. Pois, enquanto um dos enantiômeros da substância apresentava o efeito terapêutico esperado, o outro provocava atrofia nos membros do bebê que estava sendo gestado”, afirma Moura.
Como foi feito
O pesquisador informa que, no estágio atual do estudo dos nanomateriais, é possível separar completamente um enantiômero do outro. E o estudo em pauta baseou-se exatamente nessa possibilidade. “Nós partimos de nanopartículas de ouro, que, por serem simétricas, não apresentam quiralidade. São aquirais. E induzimos quiralidade nelas, fazendo-as interagir primeiro com o aminoácido cisteína e, na etapa seguinte, intensificando ainda mais a quiralidade induzida por meio da exposição das nanopartículas à luz polarizada, utilizando o aminoácido fenilalanina como antena para sintonizar a luz”, relata.
A quiralidade é medida pelo chamado “fator g”, em uma escala que vai de menos dois (-2) a mais dois (+2). O procedimento permitiu chegar a um valor de g maior do que 0,4. Resultaram disso três tipos de nanopartículas: o ouro original, aquiral; o enantiômero direito; e o enantiômero esquerdo.
“Inicialmente, nós testamos as nanopartículas em culturas in vitro de células do sistema imune humano. E verificamos que as nanopartículas quirais induziam a produção de substâncias associadas à resposta imune mesmo na ausência de antígenos, isto é, de algo capaz de produzir os anticorpos. Esse tipo de reação é exatamente o que o adjuvante faz em uma vacina”, conta Moura.
Em seguida, a equipe testou as nanopartículas em uma cepa de influenza. “Constatamos que os enantiômeros faziam com que a vacina aplicada tivesse um aumento de eficácia muito grande. Especificamente, o enantiômero esquerdo provocou um aumento de eficácia de 25,8%, em comparação com o enantiômero direito e maior ainda em relação à nanopartícula aquiral”, acrescenta Moura.
O pesquisador enfatiza que o conhecimento está publicado e disponível para quem quiser utilizar. “Qualquer fabricante de qualquer tipo de vacina, inclusive para as novas variantes do coronavírus ou da influenza, poderá fazer uso dele. Nós não somos desenvolvedores de vacinas, mas estamos oferecendo um conhecimento básico, uma plataforma tecnológica nova, para quem desenvolve”, conclui.
O artigo Enantiomer-dependent immunological response to chiral nanoparticles pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41586-021-04243-2.
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