Pesquisa foi feita com 672 jovens entre 16 e 24 anos com acesso à internet. Entre os que aderiram ao ensino a distância não foi observado impacto direto na saúde mental (foto: Pixabay)
Pesquisa foi feita com 672 jovens entre 16 e 24 anos com acesso à internet. Entre os que aderiram ao ensino a distância não foi observado impacto direto na saúde mental
Pesquisa foi feita com 672 jovens entre 16 e 24 anos com acesso à internet. Entre os que aderiram ao ensino a distância não foi observado impacto direto na saúde mental
Pesquisa foi feita com 672 jovens entre 16 e 24 anos com acesso à internet. Entre os que aderiram ao ensino a distância não foi observado impacto direto na saúde mental (foto: Pixabay)
Luciana Constantino | Agência FAPESP – Estudantes que antes da pandemia de COVID-19 já apresentavam problemas de saúde mental aderiram menos às aulas on-line durante o período de isolamento social, quando os estabelecimentos de educação estavam fechados. Ou seja, mesmo tendo acesso à internet, esses alunos deixaram de participar do ensino a distância. Por outro lado, entre aqueles que aderiram à modalidade, não houve registro de impacto direto na saúde mental.
Esses são os principais achados de um estudo realizado por pesquisadores brasileiros e que comparou os efeitos de sintomas mentais dos mesmos jovens antes e durante a pandemia. Entre esses sintomas estão, por exemplo, hiperatividade e problemas de relacionamento com colegas ou de comportamento. O trabalho foi publicado na plataforma PsyArXiv Preprints , da Society for the Improvement of Psychological Science, e aguarda o processo de revisão por pares.
“Como a saúde mental dos estudantes é um fator de impacto na educação, buscamos entender a influência disso nas aulas on-line. Concluímos que os problemas prévios aumentaram a desigualdade de acesso ao sistema a distância, mas o sistema de aulas on-line em si não teve impacto nos sintomas”, explica a neurocientista Patrícia Pinheiro Bado, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, ligado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e primeira autora do artigo.
A pesquisa teve apoio da FAPESP e englobou uma amostra de 672 estudantes entre 16 e 24 anos com acesso à internet. Desses, 511 se matricularam nas aulas on-line e 161 (31,5%) não se inscreveram na educação a distância enquanto as instituições estavam fechadas.
Os alunos foram avaliados antes e durante a pandemia por meio do Questionário de Forças e Dificuldades (SDQ na sigla em inglês). O método rastreia problemas de saúde mental em quatro subescalas: problemas de hiperatividade, emocionais, de conduta e de relacionamento. A análise dos dados foi realizada com o auxílio de modelos de regressão múltipla e ajustada para não ter influência de eventos escolares negativos anteriores, como suspensões e repetências, número de dias sem aulas presenciais, nível socioeconômico, sexo e idade.
Os cientistas queriam investigar dois pontos principais: se problemas de saúde mental anteriores à pandemia estavam associados ao acesso à aprendizagem on-line e se aqueles que aderiram ao ensino a distância teriam menos problemas de saúde mental durante o isolamento.
A conclusão foi que apresentar sintoma prévio de transtorno mental aumenta a chance de o jovem não acessar as aulas on-line. Segundo o artigo, a alta de um ponto na escala SDQ, que varia de 0 a 40, antes da pandemia eleva em 6% a chance de não participação a distância.
Essa comparação entre os dois momentos foi possível porque os participantes fazem parte do Estudo Brasileiro de Coorte de Alto Risco para Transtornos Psiquiátricos na Infância (BHRC), uma grande pesquisa de base comunitária que acompanha 2.511 crianças e jovens desde 2010.
O BHRC, também conhecido como Projeto Conexão – Mentes do Futuro, é considerado um dos principais acompanhamentos sobre riscos de transtornos mentais já realizados na psiquiatria brasileira. Faz parte do Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento para Crianças e Adolescentes (INPD), apoiado pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
O INPD conta com mais de 80 professores e pesquisadores de 22 universidades e tem como coordenador-geral o professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) Eurípedes Constantino Miguel Filho.
Análise por sexo
Os pesquisadores não encontraram, durante a avaliação dos resultados, uma associação entre estar em aula on-line e desenvolver sintomas mentais. Um ponto que os cientistas chegaram a detectar na análise transversal, mas que foi totalmente explicado pelos registros de sintomas antes da pandemia, foi o fato de estudantes que acessaram aulas a distância terem menos problemas de desatenção/hiperatividade se comparados aos participantes que não acessaram as aulas.
Já a análise por sexo teve impacto na adesão a essas aulas: meninas apresentaram 2,3 vezes mais chance de estarem matriculadas no ensino a distância se comparadas aos meninos.
“Durante a pandemia, os fatores que influenciaram a saúde mental dos alunos foram o fato de já ter problemas prévios, dificuldades financeiras enfrentadas pela família e também o sexo: meninas registraram mais problemas de saúde mental do que meninos”, afirma Bado à Agência FAPESP.
Os cientistas destacam, no entanto, que não foi possível comparar a saúde mental dos alunos que estavam no ensino remoto com aqueles em aulas presenciais, uma vez que quase todos os participantes da amostra não podiam comparecer à instituição de educação em decorrência das medidas de isolamento social (apenas quatro tiveram aulas presenciais em algum momento durante o período de pandemia). Com isso, ainda não foi possível medir o impacto do fechamento das escolas.
Para o pesquisador Mauricio Scopel Hoffmann, professor adjunto do Departamento de Neuropsiquiatria da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e coautor do artigo, o trabalho contribui na formulação de projetos que busquem identificar essas crianças e jovens com problemas de saúde mental.
“Esses resultados conversam com nosso estudo anterior, que mostrou o impacto de transtornos externalizantes [como agressividade, déficit de atenção e hiperatividade] na evolução escolar das crianças, especialmente meninas. Detectar antecipadamente esses alunos em risco pode permitir contornar essa situação de desigualdade educacional”, completa Hoffmann.
Em outro artigo publicado no fim do ano passado na revista Epidemiology and Psychiatric Sciences, o grupo de cientistas já havia mostrado o impacto negativo de transtornos mentais, principalmente os externalizantes, na educação. A estimativa é que entre 5% e 10% das repetências e distorções idade-série (indivíduos fora da série adequada para a idade) não ocorreriam se os problemas de saúde mental fossem prevenidos ou tratados (leia mais em: agencia.fapesp.br/37419).
O pesquisador reforça que detectar os jovens com risco de abandono dos estudos e priorizar políticas públicas com tratamentos adequados poderia evitar a evasão escolar e até mesmo engajá-los no ensino a distância. “A pior situação é deixá-los fora do sistema educacional. Podem não voltar a estudar e, no futuro, ficarem em subempregos, com renda baixa, perpetuando a desigualdade.”
No Brasil, cerca de 244 mil crianças e adolescentes entre 6 e 14 anos estavam fora da escola no segundo trimestre de 2021, um aumento de 171% em comparação a 2019. Relatório da organização Todos Pela Educação, usando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), apontou também uma queda no percentual de pessoas da mesma faixa etária matriculadas no ensino fundamental ou médio. Enquanto 99% estavam matriculados em 2019, em 2021 o número caiu para 96%, menor índice desde 2012.
“Cada vez mais vemos que a saúde mental é um fator muito importante para ingresso e permanência dos alunos em instituições de ensino. Por isso, as políticas educacionais não podem ser pensadas de forma isolada de outros fatores, mas em um conjunto com questões de saúde”, diz Bado. Segundo a pesquisadora, um próximo passo será analisar o impacto de aprendizado dos jovens que participaram das aulas on-line durante a pandemia.
Outro levantamento, também divulgado pela organização Todos pela Educação no início de fevereiro, apontou que quase 41% das crianças brasileiras entre 6 e 7 anos não sabiam ler ou escrever no ano passado. Em dois anos, o número saltou de 1,429 milhão (o equivalente a 25% das crianças na faixa etária), em 2019, para 2,367 milhões (40,8%) em 2021.
O artigo Mental health problems predict inequalities in accessing online classes during COVID-19 pandemic in youth, dos pesquisadores Patrícia Bado, Mauricio Scopel Hoffmann, Pedro Pan, Eurípedes Constantino Miguel, Luis Rohde e Giovanni Salum, pode ser lido em https://psyarxiv.com/knq49/.
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