Estudo da atividade elétrica dos neurônios de roedores envolveu biossensores e algoritmos (foto: acervo dos pesquisadores)
Descoberta envolveu uso de biossensores, algoritmos e software livre para construção de microscópio em miniatura. Achados ajudam a entender como as pessoas traçam e retêm as informações sobre rotas e aprendem novas localizações
Descoberta envolveu uso de biossensores, algoritmos e software livre para construção de microscópio em miniatura. Achados ajudam a entender como as pessoas traçam e retêm as informações sobre rotas e aprendem novas localizações
Estudo da atividade elétrica dos neurônios de roedores envolveu biossensores e algoritmos (foto: acervo dos pesquisadores)
Mônica Tarantino | Agência FAPESP – Mais de uma década após a descrição do papel dos neurônios piramidais na representação mental feita pelo cérebro do espaço e da nossa localização, um time de cientistas brasileiros e norte-americanos acaba de dar uma contribuição importante para a investigação dessa espécie de sistema de navegação embutido no cérebro. Eles identificaram um subtipo dessas células que é capaz de registrar, com grande precisão, a velocidade de um indivíduo.
“Demonstramos, em estudo com animais, a relação entre a atividade elétrica de interneurônios inibitórios e a representação cerebral da velocidade”, disse à Agência FAPESP o neurocientista Alexandre Kihara, da Universidade Federal do ABC, um dos coautores do estudo "GABAergic CA1 neurons are more stable following context changes than glutamatergic cells", publicado recentemente na revista Scientific Reports, do grupo Nature.
Os neurônios excitatórios e os interneurônios inibitórios estão abrigados no hipocampo, uma estrutura bilateral do cérebro situada na região do lobo temporal (atrás das orelhas) e que está associada à formação de novas memórias, aprendizagem, emoção e, como se soube mais recentemente, com a representação espacial. Enquanto os excitatórios ativam outros neurônios, os inibitórios bloqueiam ou dificultam essa ação. Sua atividade conjunta é responsável, por exemplo, por modular a sinalização em regiões do cérebro, evitando, por exemplo, excesso de atividade associado com convulsões.
“Embora todos atuem na codificação do espaço, vimos que os inibitórios têm mais algumas funções diferentes”, explica Juliane Midori Ikebara, bacharel em ciência e tecnologia e doutora em neurociência e cognição pela Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Paulo. Ela é a autora principal do estudo, juntamente com Peter Schuette, do Departamento de Psicologia da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), nos Estados Unidos.
Por meio de imagens gravadas em vídeo da atividade neural, os pesquisadores também observaram que a população de neurônios inibitórios reage às mudanças no ambiente (como rotação ou de tamanho) de modo diferente. “Eles são mais estáveis do que os neurônios excitatórios, que algumas vezes mudam a codificação de posição em resposta às alterações no ambiente”, disse Kihara.
Esse comportamento era desconhecido e pode estar associado, segundo os pesquisadores, à memória espacial. “Pode ser que esses neurônios mais estáveis estejam ligados à capacidade de se lembrar de rotas ou da localização da sala ou banheiro quando acordamos na mesma casa, por exemplo”, disse Kihara, que orientou Ikebara no doutorado.
Na prática, esse foi o primeiro estudo a evidenciar as funções das células inibitórias, que representam menos de 10% dos neurônios piramidais, comenta Ikebara. A ideia de estudar essas células surgiu durante o doutorado sanduíche entre 2020-2021 nos Estados Unidos. Bolsista da FAPESP, ela foi passar uma temporada no laboratório liderado pelo professor Avishek Adhikari, na Califórnia, autor correspondente do estudo recém-publicado, para aprender a construir o microscópio em miniatura utilizado para registrar a atividade elétrica dos neurônios.
Desenvolvido na Universidade Stanford, também na Califórnia, o Miniscope é vendido a preços proibitivos. “Porém, há cerca de sete anos, um grupo da UCLA abriu o equipamento, viu o que tinha dentro e expôs gratuitamente os planos de construção, com receitas muito bem especificadas para montá-lo e usar. Por causa disso, centenas de pesquisadores de outros países conseguiram ter acesso a essa tecnologia”, disse Adhikari, que viveu em São Paulo.
Além do microscópio em miniatura construído por Ikebara, que trouxe a tecnologia para a UFABC, o estudo da atividade elétrica dos neurônios de roedores envolveu biossensores e algoritmos. “Primeiramente, os camundongos foram injetados com vírus que carrega instruções para infectar as células e fazê-las produzir uma proteína que fica fluorescente na presença de mais cálcio, o que ocorre quando as células são ativadas”, disse Ikebara. Depois eles receberam uma lente cilíndrica sobre o hipocampo e o microscópio em miniatura foi fixado ao tampo da cabeça para documentar a atividade neuronal. Durante o experimento, os animais foram colocados em caixas que sofreram alterações como a rotação e o redimensionamento do seu tamanho.
Após centenas de horas de filmagem, os pesquisadores usaram teoria da informação e algoritmos para mapear os neurônios ativados em relação à posição dos camundongos na caixa. “Vimos que era possível prever com muita precisão onde o animal estava no ambiente olhando apenas para o mapa dos neurônios eletricamente ativados, sem precisar assistir aos vídeos”, disse Adhikari à Agência FAPESP.
Segundo Ikebara, os achados ajudam a entender como as pessoas traçam e retêm as informações sobre rotas e aprendem novas localizações. Com base em trabalhos anteriores, em que foi estudado o efeito da privação de oxigênio no nascimento no cérebro de ratos adultos, Ikebara comenta que os resultados atuais sugerem caminhos para investigar a dificuldade em aprender novas rotas e de localização por parte de pessoas que apresentam doenças neurodegenerativas, como no Alzheimer.
Observou-se que a privação de oxigênio no nascimento pode levar a déficits de memória espacial, situação em que também foram detectadas alterações em neurônios inibitórios. O doutorado de Ikebara foi realizado no Programa de Pós-graduação em Neurociência e Cognição da UFABC, sob orientação de Kihara e da professora Silvia Takada.
O artigo GABAergic CA1 neurons are more stable following context changes than glutamatergic cells pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41598-022-13799-6.
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