Metodologia desenvolvida por grupo da USP e colaboradores permite rastrear em tempo real a soroprevalência da população a um patógeno – o SARS-CoV-2, no caso do estudo publicado na revista eLife. Resultados oferecem um “retrato” do primeiro ano da COVID-19 no Brasil (foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

Amostras de bancos de sangue podem ser usadas para monitorar a evolução de epidemias, mostra pesquisa
25 de outubro de 2022
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Metodologia desenvolvida por grupo da USP e colaboradores permite rastrear em tempo real a soroprevalência da população a um patógeno – o SARS-CoV-2, no caso do estudo publicado na revista eLife. Resultados oferecem um “retrato” do primeiro ano da COVID-19 no Brasil

Amostras de bancos de sangue podem ser usadas para monitorar a evolução de epidemias, mostra pesquisa

Metodologia desenvolvida por grupo da USP e colaboradores permite rastrear em tempo real a soroprevalência da população a um patógeno – o SARS-CoV-2, no caso do estudo publicado na revista eLife. Resultados oferecem um “retrato” do primeiro ano da COVID-19 no Brasil

25 de outubro de 2022
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Metodologia desenvolvida por grupo da USP e colaboradores permite rastrear em tempo real a soroprevalência da população a um patógeno – o SARS-CoV-2, no caso do estudo publicado na revista eLife. Resultados oferecem um “retrato” do primeiro ano da COVID-19 no Brasil (foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

 

Luciana Constantino | Agência FAPESP – Pesquisa publicada na revista científica eLife concluiu ser possível calcular a proporção da população previamente infectada (soroprevalência) por SARS-CoV-2 utilizando amostras de doadores de banco de sangue. Com os resultados, além de montar uma espécie de “retrato” da epidemia de COVID-19 no Brasil durante o primeiro ano, os pesquisadores apontam que a nova metodologia pode ser aplicada para rastrear outros tipos de doenças infecciosas e calcular a imunidade coletiva.

Atualmente, os cálculos de soroprevalência são realizados usando amostras aleatórias da população, método considerado mais caro, difícil de ser feito de forma periódica e em tempo real. Esse tipo de monitoramento é importante para entender as características de uma epidemia e estruturar políticas públicas, detectando, por exemplo, os locais onde as medidas de prevenção e tratamento estão funcionando.

Cientistas do Centro Conjunto Brasil-Reino Unido de Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE) testaram 97.950 amostras de doadores de sangue para anticorpos do tipo imunoglobina G (IgG) das oito capitais mais populosas – Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Manaus, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. O período analisado foi de março de 2020 ao mesmo mês de 2021.

Os resultados apontaram que a epidemia de COVID-19 foi heterogênea no Brasil, infectando populações diferentes em momentos distintos. Em linhas gerais, a doença começou atingindo primeiro homens e jovens.

“No início, algumas linhas de investigação achavam que todos se infectavam ao mesmo tempo, mas mostramos que isso não é verdade. Em termos de retrato da epidemia concluímos que houve uma heterogeneidade extrema no Brasil, com diferenças de infecção por grupos e uma variação extensiva da taxa de letalidade. Esse era um resultado que não esperávamos”, disse à Agência FAPESP o pesquisador Carlos Augusto Prete Junior, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), autor correspondente do artigo.

O estudo foi parte do doutorado de Prete Junior, que tem como orientador o professor Vitor Heloiz Nascimento, da Poli, e como coorientadora Ester Sabino, professora da Faculdade de Medicina da USP e responsável pelo CADDE no Brasil.

Ambos também são autores do trabalho, que teve apoio da FAPESP por meio do CADDE e da bolsa concedida a Prete Junior, além de contar com financiamento do Instituto Todos pela Saúde. Participaram ainda cientistas do Imperial College London (Reino Unido) e da Universidade de Oxford.

Recentemente, em outro artigo publicado na revista Vaccines, o grupo já havia demonstrado, com base em análise de amostras de bancos de sangue, que foi possível prever a transmissão da variante delta (detectada na Índia em 2020 e originalmente chamada B.1.617.2) no Brasil. Nesse caso, eles mediram a quantidade de anticorpos IgG da população fazendo ensaios de micropartículas de anti-S, ou seja, para detectar anticorpos capazes de se ligar à proteína Spike do coronavírus. Com isso, conseguiram relacionar a proteção da vacina a casos da variante delta e ao nível de mortalidade (leia mais em: agencia.fapesp.br/39533/).

Metodologia

A epidemia de COVID-19 no Brasil foi uma das mais significativas do mundo – até o início de outubro de 2022 haviam sido registrados mais de 34,7 milhões de casos e 687 mil mortes acumuladas pela doença. No entanto, esses números escondem as diferenças da epidemia entre regiões e subgrupos da população, além de não informar a proporção da população previamente infectada pelo vírus. Estimar essa proporção é importante para prever o impacto de futuras ondas da epidemia causadas por novas variantes.

Na pesquisa, os cientistas estimaram a soroprevalência ao longo do tempo para as oito capitais usando amostras de doadores de sangue para obter estimativas desagregadas por idade e sexo. Também fizeram estimativas para as taxas de letalidade por infecção específicas por idade – calculando a chamada IFR (sigla em inglês para infection fatality rate), definida como o número de óbitos por infecção – e para as taxas de internação por infecção para essas cidades.

Cada um dos oito bancos de sangue tinha uma cota mensal de mil amostras testadas. Para serem representativas, elas foram selecionadas de modo que a distribuição espacial da localização de residência dos doadores correspondia à divisão da população por zonas administrativas de cada município.

Como a norma brasileira prevê que as amostras de doação de sangue devem ser guardadas por seis meses, os pesquisadores conseguiram selecionar e testar amostras congeladas entre fevereiro (antes do início da pandemia no país) e julho de 2020. Depois disso, passaram a ser selecionadas e testadas em tempo real.

Foram aplicados testes que detectam anticorpos IgG contra o nucleocapsídeo, uma proteína presente no SARS-CoV-2. No entanto, este tipo de teste pode apresentar ao longo do tempo uma queda da sensibilidade de detecção dos anticorpos. Ou seja, à medida que a epidemia progredia, a proporção bruta de indivíduos com resultado de teste positivo diminuía, subestimando a taxa real de infecção.

Para corrigir essa queda de anticorpos foi desenvolvido um modelo Bayesiano de sororeversão baseado em dados de doadores de repetição, ou seja, de indivíduos que doam sangue várias vezes por ano, além de uma coorte de doadores de plasma convalescentes positivos para SARS-CoV-2 sintomáticos não hospitalizados. “Isso foi importante porque alguns trabalhos no início da pandemia propuseram corrigir somente pelos doadores de plasma. Mostramos, porém, que os doadores de repetição são mais representativos da população de cada município”, explicou Prete Junior.

O pesquisador lembra que esse modelo não chegou a ser aplicado no trabalho publicado pelo grupo na revista Science, em dezembro de 2020, com informações do banco de sangue de Manaus porque à época não havia dados suficientes. Naquele estudo, coordenado por Sabino, foi estimado que 76% dos manauaras já tinham imunidade contra o novo coronavírus, porém antes da entrada de outras variantes do SARS-CoV-2, como a gama (P.1), depois considerada mais agressiva e letal (leia mais em: agencia.fapesp.br/34958/).

“Logo depois que publicamos o artigo, houve a segunda onda de COVID-19 no Brasil. À época muitos achavam que não havia reinfecção. Agora confirmamos que é possível usar as amostras de doadores de sangue para o cálculo de soroprevalência para monitorar outras doenças, desde que sejam feitos ajustes, como a correção da sororeversão e a estimativa da taxa de ataque para cada grupo por idade e sexo utilizando amostras espacialmente representadas”, completa.

Os resultados mostraram que a taxa de ataque do SARS-CoV-2 em dezembro de 2020, antes de a gama ser dominante, variou de 19,3% em Curitiba a 75% em Manaus. A soroprevalência foi consistentemente menor em mulheres e doadores com mais de 55 anos.

As cidades com maior soroprevalência também tiveram maior mortalidade (número de óbitos por habitante). Entre 1º de março de 2020 e 31 de março de 2021, a taxa de mortalidade padronizada por idade variou de 1,7 óbito por 1.000 habitantes em Belo Horizonte a 5,3 mortes por 1.000 em Manaus, que teve o dobro da mortalidade de Fortaleza, a cidade com a segunda maior proporção de mortes entre as analisadas.

A taxa de letalidade por infecção (IFR) também diferiu entre as cidades, variando de 0,24% em Manaus a 0,54% em Curitiba, e a IFR específica por idade aumentou consistentemente. Para evitar o problema da subnotificação de óbitos por COVID-19, a IFR foi estimada usando o total de mortes por infecção respiratória aguda grave, excluindo as mortes por SRAG causadas por outras etiologias.

Manaus

A gama surgiu em novembro de 2020 e sua prevalência entre as demais variantes cresceu rapidamente para 87% em 4 de janeiro de 2021, com alta proporção de reinfecções. Por isso, a IFR e a taxa de ataque foram estimadas separadamente para a segunda onda de SARS-CoV-2 em Manaus, quando a gama era dominante.

O estudo mostrou que a proporção da população infectada na segunda onda de Manaus foi de até 37,5%, comparada a 75% na primeira onda. A taxa de internação por infecção cresceu durante a segunda onda na capital amazonense, sugerindo aumento da severidade da doença provocada pela variante em comparação às anteriores.

A maior penetração da COVID-19 associada ao colapso do sistema de saúde em Manaus fez com que a taxa de letalidade por infecção da gama fosse ao menos 2,91 vezes maior do que na primeira onda.

O artigo SARS-CoV-2 antibody dynamics in blood donors and COVID-19 epidemiology in eight Brazilian state capitals: A serial cross-sectional study pode ser lido em: elifesciences.org/articles/78233#content.
 

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