Imagem de microscopia mostra mitocôndrias em vermelho, o núcleo celular em azul e o citoplasma em verde (crédito: acervo do pesquisadores)

Estudo liga variante genética a distúrbios digestivos em pacientes com doença de Chagas
05 de dezembro de 2022
EN ES

Trabalho foi divulgado por grupo do InCor na revista Biomedicines. Resultado pode ser chave para busca de novos tratamentos para pacientes que desenvolvem condição conhecida como megaesôfago

Estudo liga variante genética a distúrbios digestivos em pacientes com doença de Chagas

Trabalho foi divulgado por grupo do InCor na revista Biomedicines. Resultado pode ser chave para busca de novos tratamentos para pacientes que desenvolvem condição conhecida como megaesôfago

05 de dezembro de 2022
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Imagem de microscopia mostra mitocôndrias em vermelho, o núcleo celular em azul e o citoplasma em verde (crédito: acervo do pesquisadores)

 

Luciana Constantino | Agência FAPESP – A doença de Chagas, causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, afeta cerca de 8 milhões de pessoas no mundo, sendo que mais de um terço delas desenvolve problemas cardíacos ou digestivos graves, com maior risco de morte. No entanto, ainda é pouco conhecido o processo que leva a esse quadro clínico.

Pesquisa liderada por cientistas brasileiros e recém-publicada na revista Biomedicines mostra uma mutação mitocondrial encontrada em pacientes com megaesôfago – doença que se caracteriza pelo aumento do esôfago, ocasionando disfunção da musculatura. Esse caminho pode ser a chave para a busca de novos tratamentos.

Os resultados do estudo sugerem que, em portadores dessas mutações, o aumento da produção de um mediador inflamatório, a citocina interferon-gama (IFN-gama), causa estresse oxidativo, levando à disfunção mitocondrial em neurônios. A degeneração dos neurônios presentes na parede do esôfago contribui para o desenvolvimento da doença.

“Após anos de pesquisa, conseguimos entender melhor esse mecanismo da disfunção mitocondrial induzida pelo IFN-gama. A importância desse achado é justamente o fato de podermos buscar drogas específicas, capazes de mitigar essa alteração”, resume à Agência FAPESP o imunologista Edecio Cunha-Neto, professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e pesquisador do Instituto do Coração (InCor).

Cunha-Neto é um dos autores correspondentes do artigo, ao lado de Christophe Chevillard, da Aix-Marseille Université. O estudo teve apoio da FAPESP.

Há mais de 30 anos estudando casos de cardiomiopatia provocada por doença de Chagas, o pesquisador do InCor explica que já havia sido demonstrado que esses pacientes apresentavam uma alteração inflamatória, medida por meio da concentração de IFN-gama no sangue.

Analisando material retirado do coração de pacientes com Chagas submetidos a transplante cardíaco, os cientistas observaram distúrbio no metabolismo energético do órgão, com uma redução de um grande número de proteínas e enzimas ligadas à produção de ATP – sigla usada para indicar a molécula de adenosina trifosfato, principal forma de energia química da célula. Esses resultados corroboraram estudos anteriores que mostraram redução do metabolismo energético in vivo no coração de pacientes chagásicos.

Por meio de análises funcionais e de proteômica (conjunto de proteínas presentes no tecido), ficou demonstrado em estudo anterior que os níveis elevados da citocina IFN-gama em pacientes com cardiomiopatia provocada por doença de Chagas reduzem o metabolismo energético da célula, levando à disfunção mitocondrial no tecido cardíaco.

As mitocôndrias são organelas responsáveis pelo fornecimento de energia para as células. Têm um genoma próprio, o DNA mitocondrial (mtDNA), com 16.569 nucleotídeos, sujeitos a mutações, e há cerca de 1.500 genes mitocondriais codificados no núcleo celular. Algumas mutações podem levar ao desenvolvimento de doenças mitocondriais.

Em outro artigo, os pesquisadores haviam demonstrado uma segregação de variantes genéticas mitocondriais raras em pacientes com a cardiopatia chagásica crônica em famílias com múltiplos casos de doença de Chagas.

“Tratando esses cardiomiócitos com IFN-gama, conseguimos ver que havia diminuição da produção de ATP. Então, trabalhamos com a hipótese de que o IFN-gama pudesse agir também em outras formas sintomáticas da doença, reduzindo a função mitocondrial. Passamos a estudar casos de megaesôfago”, completa Cunha-Neto.

Do total de pacientes com doença de Chagas, estima-se que 10% registram alterações no sistema digestivo e 30% desenvolvem problemas no coração, sendo que a taxa de mortalidade desses indivíduos com doença cardíaca gira em torno de 60% em dois anos, enquanto para outras formas de cardiomiopatia é de 30% no mesmo período. Em outubro, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) lançou uma nova diretriz para cardiomiopatia derivada da doença de Chagas, incluindo atualização de recomendações de tratamento.

A doença de Chagas, classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como Doença Tropical Negligenciada (DTN), é transmitida principalmente por meio de fezes contaminadas do barbeiro, percevejo que, ao picar o homem, elimina também o parasita.

Outras vias de transmissão têm crescido em vários países, incluindo o Brasil, entre elas a ingestão oral por meio do consumo de alimentos contaminados por barbeiros infectados, pela passagem do parasita da mãe para o bebê na gestação, transfusão de sangue e transplante de órgão. Quanto mais precoce for o diagnóstico e o início do tratamento, maiores as chances de cura.

Análise genética

Utilizando o sequenciamento completo do exoma – fração do genoma que codifica as proteínas –, os pesquisadores haviam observado antes uma segregação de variantes genéticas mitocondriais raras com a cardiopatia chagásica crônica em famílias com múltiplos casos de doença de Chagas.

Na pesquisa publicada agora, o grupo fez o sequenciamento completo do exoma de 13 pacientes com megaesôfago provocado por doença de Chagas. Dos indivíduos com problemas digestivos, cerca de 40% apresentaram a mesma variante mitocondrial (o MRPS-18B P230A). Essa variante é encontrada em 18% dos pacientes portadores de cardiopatia chagásica crônica, mas somente em 2% da população brasileira em geral.

A partir do sangue deles, foram isolados linfoblastos, ou seja, células capazes de se multiplicar indefinidamente, com exatamente a constituição genética do paciente. Os cientistas usaram essas células com e sem mutação para avaliar o efeito do IFN-gama sobre a função mitocondrial.

O resultado foi que o paciente homozigoto para mutação mitocondrial produziu menos ATP em presença de IFN-gama do que as células dos pacientes que não tinham mutação.

Recentemente, o grupo teve uma nova linha de pesquisa aprovada para avaliar casos de famílias com mutações mitocondriais. A ideia é tratar os modelos com inibidores da sinalização do IFN-gama e substâncias protetoras de mitocôndrias para avaliar o resultado.

Entre as substâncias que podem vir a ser usadas estão a metformina, remédio oral contra diabetes, e o resveratrol, princípio ativo de plantas com efeito antioxidante. Ambas foram capazes de mitigar a disfunção mitocondrial induzida pelo IFN-gama em cardiomiócitos.

“Vamos fazer uma varredura de 1.700 drogas já utilizadas em pacientes, com segurança estabelecida, para saber se conseguimos encontrar outras que tenham esse efeito mitigador da ação de IFN-gama sobre o cardiomiócito”, diz Cunha-Neto.

O artigo Chagas Disease Megaesophagus Patients Carrying Variant MRPS18B P260A Display Nitro-Oxidative Stress and Mitochondrial Dysfunction in Response to IFN-Gamma Stimulus pode ser lido em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36140315/.
 

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