A imagem, obtida com câmera ultrarrápida e publicada na capa de Geophysical Research Letters, mostra vários para-raios tentando se conectar à descarga que desce. As duas ramificações descendentes que aparecem na foto fazem parte do mesmo raio, que acabou atingindo o prédio localizado no canto direito (foto: Diego Rhamon/Inpe)
Divulgada na capa da revista Geophysical Research Letters, a foto inédita feita por cientistas do Inpe mostra descargas ascendentes positivas produzidas por vários para-raios e saliências de edifícios situados na região competindo para se conectar ao raio negativo que descia da nuvem
Divulgada na capa da revista Geophysical Research Letters, a foto inédita feita por cientistas do Inpe mostra descargas ascendentes positivas produzidas por vários para-raios e saliências de edifícios situados na região competindo para se conectar ao raio negativo que descia da nuvem
A imagem, obtida com câmera ultrarrápida e publicada na capa de Geophysical Research Letters, mostra vários para-raios tentando se conectar à descarga que desce. As duas ramificações descendentes que aparecem na foto fazem parte do mesmo raio, que acabou atingindo o prédio localizado no canto direito (foto: Diego Rhamon/Inpe)
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Com uma câmera de vídeo ultrarrápida, e o trunfo de estar no lugar certo no momento certo, o físico Marcelo Saba, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e o doutorando Diego Rhamon obtiveram uma imagem inédita da descarga de um raio, mostrando detalhes de sua conexão com vários para-raios localizados nas imediações.
A raridade da imagem fez com que ela fosse reproduzida na capa da Geophysical Research Letters (GRL), uma das mais importantes revistas científicas da área. O trabalho contou com apoio da FAPESP.
“A imagem foi captada em uma noite de verão, em São José dos Campos [SP], quando um raio descendente de carga negativa se aproximava do solo com a velocidade de 370 quilômetros por segundo [km/s]. No instante em que a descarga estava a apenas algumas dezenas de metros do solo, vários para-raios e saliências de edifícios situados na região produziram descargas positivas ascendentes, competindo para conectar-se com o raio que descia. A imagem final anterior à conexão foi obtida 25 milionésimos de segundo antes do impacto do raio sobre um dos prédios”, conta Saba. Foi essa imagem espetacular que os editores da GRL reproduziram na capa da publicação.
O pesquisador informa que sua câmera captou 40 mil imagens por segundo. Rodado em superslow motion, o vídeo mostra como os para-raios se comportam. E também que os raios podem ser um perigo se esses equipamentos de proteção não estiverem corretamente instalados. Isto porque, apesar de haver mais de 30 para-raios nas proximidades, o raio não se conectou com nenhum deles, mas, sim, com a chaminé de um forno localizado na cobertura de um dos edifícios. “Uma falha na instalação deixou essa área desprotegida. E o impacto de uma corrente de 30 mil amperes produziu nela um estrago impressionante”, diz.
Em média, 20% dos raios são constituídos por trocas de carga elétrica entre as nuvens e o solo. Os 80% restantes são compostos por descargas elétricas no interior das nuvens. Dos que tocam o solo, a quase totalidade são raios descendentes: começam na nuvem e vêm para o solo. Raios ascendentes também existem, mas são raros. E só acontecem a partir de estruturas altas, como topos de montanhas, arranha-céus, torres e antenas. Dependendo da carga que transferem ao solo, os raios podem ser ainda classificados como negativos ou positivos.
“Os raios podem alcançar até 100 km de comprimento. E transportar correntes da ordem de 30 mil amperes. Isso equivale à corrente utilizada por 30 mil lâmpadas de 100 watts funcionando juntas. Em alguns casos, a corrente pode chegar a 300 mil amperes. A temperatura de um raio, de 30 mil oC, é cinco vezes maior do que a temperatura da superfície do Sol”, afirma Saba.
Como se formam os raios
O pesquisador explica que tudo começa com a eletrificação das nuvens. Seu mecanismo ainda não é inteiramente conhecido. Mas decorre, grosso modo, do atrito entre partículas de gelo, gotículas de água e granizo, que libera cargas e cria polaridades entre diferentes regiões das nuvens, com diferenças de potencial elétrico que variam de 100 milhões a 1 bilhão de volts. “É preciso levar em conta que as nuvens de tempestades são estruturas enormes, que têm sua base a 2 ou 3 km do solo e cujo topo pode alcançar até 20 km de altitude. Seus diâmetros vão entre 10 e 20 km”, diz.
A forma ramificada assumida pelos raios se explica pelo fato de que as cargas elétricas buscam o caminho mais fácil, isto é, que oferece menor resistência, e não o caminho mais curto, que seria a linha reta. O caminho mais fácil, geralmente em zigue-zague, é determinado por diferentes características elétricas da atmosfera, que não é homogênea. “Um raio composto de várias descargas pode durar até 2 segundos. No entanto, cada descarga dura apenas frações de milésimos de segundo”, acrescenta Saba.
Ele destaca que o para-raios não atrai nem repele os raios. Tampouco descarrega as nuvens como se pensava antigamente. Ele simplesmente oferece ao raio um caminho fácil e seguro até o solo.
Como nem sempre é possível contar com a proteção de um para-raios e o verão é a época em que ocorre a maioria das descargas elétricas atmosféricas, convém considerar as recomendações de Saba. “As tempestades acontecem mais à tarde do que de manhã. Assim, cuidado com as atividades ao ar livre nas tardes de verão. Ao ouvir um trovão, busque abrigo. Nunca fique embaixo de árvores ou postes. Nem mesmo sob coberturas precárias. No caso de não haver um local robusto para se proteger, fique dentro do carro e espere a tempestade passar. Se não houver carro nem qualquer outro lugar onde se abrigar, fique de cócoras com os pés juntos. Nunca de pé, nem deitado. Dentro de casa, evite o contato com eletrodomésticos e o uso de telefone com fio.”
O pesquisador afirma que uma pessoa atingida por raio pode sobreviver. E há vários exemplos disso. As chances aumentam quando a pessoa é prontamente atendida. “A parada cardíaca é a única causa de óbito. Nesse caso, o atendimento recomendado é a ressuscitação cardiopulmonar”, ensina.
Saba iniciou o estudo sistemático de relâmpagos com câmeras de alta velocidade em 2003. Esse estudo, ainda vigente, proporcionou o maior banco de vídeos de raios filmados em alta velocidade no mundo. O pesquisador e seus orientandos já foram contemplados com 17 auxílios ou bolsas providos pela FAPESP.
O artigo Close View of the Lightning Attachment Process Unveils the Streamer Zone Fine Structure pode ser acessado em: https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1029/2022GL101482.
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