Representação artística de uma estrela com grande cobertura de manchas estelares e superflares (crédito: Casey Reed/Nasa)
Fenômeno causa a liberação de grandes quantidades de energia e, caso ocorresse no Sol, poderia impactar fortemente a Terra. Ao estudar duas estrelas do tipo espectral K, pesquisadores do Mackenzie concluíram que erupções desse porte são devidas à complexidade magnética dos astros
Fenômeno causa a liberação de grandes quantidades de energia e, caso ocorresse no Sol, poderia impactar fortemente a Terra. Ao estudar duas estrelas do tipo espectral K, pesquisadores do Mackenzie concluíram que erupções desse porte são devidas à complexidade magnética dos astros
Representação artística de uma estrela com grande cobertura de manchas estelares e superflares (crédito: Casey Reed/Nasa)
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – A relação entre as manchas solares e as explosões solares tem sido bastante investigada nos estudos sobre o Sol. Até porque essas erupções associadas a ejeções de massa coronal, em que grandes quantidades de energia são liberadas, impactam diretamente nosso planeta, causando maior ocorrência de auroras boreais; blecautes nas comunicações por rádio; incremento do efeito de cintilação nos sinais de GPS; redução nas velocidades e altitudes dos satélites artificiais (leia mais em: agencia.fapesp.br/41044/ ).
Para entender a física por trás desses eventos estelares, uma nova pesquisa enfocou um fenômeno ainda mais intenso, denominado superexplosão (superflare, em inglês), com energia de 1.000 a 10.000 vezes maior do que as maiores explosões vistas no Sol. E buscou esse tipo de evento em duas estrelas do tipo K: a Kepler-411 e a Kepler-210. Descobriu – para surpresa dos pesquisadores – que, a despeito de essas estrelas serem semelhantes em todos os aspectos, desde as massas até os períodos de rotação e os sistemas planetários, e de ambas exibirem em torno de 100 manchas, a primeira produziu 65 supererupções, enquanto a segunda não produziu nenhuma. Artigo a respeito foi publicado no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society Letters.
“A área das manchas estelares parece não ser a principal responsável pelo desencadeamento das superexplosões. Talvez a explicação deva ser buscada na complexidade magnética das regiões ativas”, diz Alexandre Araújo, professor no Centro Integrado de Jovens e Adultos (Cieja – Campo Limpo) da Prefeitura de São Paulo, pós-doutorando na Escola de Engenharia Mackenzie e primeiro autor do artigo.
Com apoio da FAPESP, o estudo foi conduzido por ele e sua ex-orientadora de doutorado, atual supervisora de pós-doutorado, Adriana Valio, pesquisadora do Centro de Radioastronomia e Astrofísica Mackenzie (CRAAM), da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
As manchas de ambas as estrelas foram caracterizadas com a técnica de mapeamento por trânsito planetário, que fornece a intensidade, temperatura, posição (latitude e longitude) e raio. “Pelo conhecimento que se tinha da literatura, as estrelas com manchas maiores teriam mais chance de produzir superflares, mas não foi isso que observamos. As manchas estelares da Kepler-411 são muito menores do que as da Kepler-210. Teoricamente, seria esta que deveria ter superexplosões, mas isso não acontece. Nossa explicação para a inexistência de superflares na Kepler-210, mesmo com grandes manchas na sua superfície, está na complexidade magnética, na evolução e no tempo de vida das manchas”, afirma Araújo.
Além de buscar um avanço no conhecimento das atividades estelares, o presente estudo teve uma motivação adicional. A partir da descoberta das primeiras superexplosões em estrelas de tipo solar, a comunidade científica passou a olhar com atenção para tais fenômenos, principalmente para investigar quais seriam as possibilidades de o Sol apresentar uma explosão dessa proporção. Se as erupções de muito menor intensidade já impactam tão fortemente nossa sociedade tecnológica, o que esperar de fenômenos energéticos de tal magnitude?
“Certamente os planetas que orbitam estrelas com uma frequência de superflares podem chegar a perder sua atmosfera e, por isso, não desenvolver a vida – pelo menos a vida como a conhecemos”, responde Araújo.
A estrutura das estrelas de tipo solar
Para entender tudo isso, é preciso abrir um largo parêntese e recapitular alguns conhecimentos básicos sobre a estrutura das estrelas, obtidos principalmente a partir dos estudos sobre o Sol. Para efeito didático, essa estrutura é dividida em camadas.
“O núcleo é a fonte principal da energia da estrela. No Sol, essa região é uma esfera cujo raio corresponde à quinta parte do raio solar, mas com densidade extremamente alta. Nele, a conversão de hidrogênio em hélio, por meio de reações termonucleares, produz temperatura da ordem de 13,6 milhões de kelvin (K)”, informa Valio.
Em torno do núcleo, fica a zona radiativa, onde a energia é transportada pelos fótons em todas as direções. Os fótons, como se sabe, são as partículas associadas à radiação eletromagnética. E sua velocidade de propagação no vácuo é a maior do universo material. Porém, como a zona radiativa é composta por partículas (prótons, elétrons etc.), a absorção e posterior emissão por estes componentes obstaculizam enormemente o trânsito dos fótons. De modo que eles levam cerca de 1 milhão de anos para atravessar essa camada e chegar à seguinte, a zona convectiva.
“Na zona convectiva, a energia é transportada por meio de correntes de convecção. O material mais quente sobe para a superfície da estrela, enquanto o material mais frio e denso afunda de volta para a camada convectiva. Esse movimento cria células gigantes, que transportam energia e material através da estrela. Na superfície do Sol, elas são conhecidas como os grânulos solares”, explica Valio.
A superfície do Sol é chamada de fotosfera. É nela que aparecem as manchas solares, os grânulos e as erupções, que se estendem por toda a atmosfera solar, composta pela cromosfera e pela coroa. A temperatura média da fotosfera é pouco maior do que 5,7 mil K, o que faz com que seja relativamente fria em comparação com as camadas internas do Sol ou com as camadas superiores da atmosfera solar. É da fotosfera que sai a maior parte da luz e do calor emitidos por essa estrela.
“As manchas que aparecem na fotosfera são causadas por campos magnéticos intensos e podem durar de alguns dias a várias semanas antes de desaparecerem. Sua formação começa com um campo magnético gerado pelo movimento de partículas eletricamente carregadas na tacoclina, fina camada compreendida entre as regiões radiativa e convectiva do interior solar. Ao emergirem na superfície do Sol, os tubos de fluxo magnético criam regiões de campo intenso, que bloqueiam a transferência de calor do interior para a superfície. As manchas são escuras porque sua temperatura é 1.000 a 1.500 graus menor do que a temperatura do resto da superfície”, descreve Valio.
E acrescenta que as manchas geralmente têm formatos e tamanhos diferentes, sendo sua complexidade magnética um fator crucial para a produção das maiores explosões solares. Estas são observadas em todo o espectro eletromagnético: rádio, infravermelho, luz visível, ultravioleta, raios X e raios gama. Tais fenômenos transientes acontecem na atmosfera solar, nas regiões de altas concentrações de campo magnético, onde grandes quantidades de energia são liberadas por reconexão magnética. A potência gerada nas maiores explosões solares é de aproximadamente 1.017 a 1.022 quilowatts.
O método de trânsitos planetários
O grande desafio para os pesquisadores de superflares é desvendar os mecanismos que originam tais fenômenos. É consensual que essas grandes explosões estejam relacionadas com as manchas estelares. Mas de que forma? “O método de trânsitos planetários é excelente para investigar manchas na superfície de estrelas do tipo solar. Tal método é atualmente o mais robusto para esse tipo de investigação. Mas sua aplicação é bastante complicada, principalmente devido à dificuldade de obter estrelas que se encaixem nos critérios de investigação”, comenta Araújo.
Ele e Valio trabalharam com dados do telescópio Kepler, procurando estrelas que se encaixassem no perfil do estudo. O telescópio espacial Kepler foi projetado pela Nasa, a agência espacial norte-americana, com o objetivo de descobrir planetas de tipo terrestre fora do Sistema Solar. Nos quatro anos de sua primeira fase de operação, que se estendeu de 2009 a 2013, ele observou mais de 150 mil estrelas. E, para extrair informações sobre esses objetos, foi utilizado o método de trânsitos planetários, que se baseia na diminuta alteração produzida no brilho da estrela quando um planeta passa na sua frente.
Mas encontrar, nessa gigantesca base de dados, os objetos que se adequassem aos seus propósitos foi, como disse Araújo, igual a procurar uma agulha no palheiro. Ele detalha: “Em primeiro lugar, a estrela devia ter um ou mais planetas. Para que esses exoplanetas pudessem ser detectados, seu ângulo de inclinação em relação à estrela tinha que estar no ângulo de visada do telescópio. Além disso, a estrela precisava apresentar manchas na sua superfície. E o exoplaneta devia transitar nas regiões das manchas. O período de orbital do exoplaneta tinha que ser de poucos dias. E seu raio devia ser bem maior do que o da Terra, para que a queda de brilho causada nas curvas de luz da estrela fosse bastante significativa. Finalmente, a estrela precisava apresentar superflares”.
O pesquisador afirma que, felizmente, foi possível identificar uma estrela, a Kepler-411, com excelente qualidade de observação. E o melhor: ela possuía um sistema planetário com quatro exoplanetas. Mas, para entender o papel das manchas estelares, era preciso encontrar uma segunda estrela em tudo semelhante, exceto por um aspecto: ela não podia apresentar superflares. “Foi, de certa forma, uma ousadia nossa acreditar que essa segunda estrela existia. E nos sentimos recompensados quando encontramos a Kepler-210, com os parâmetros estelares muito próximos da Kepler-411”, diz.
Acredita-se que a detecção de supererupções esteja diretamente ligada à cobertura temporal das manchas na superfície das estrelas. E que, quanto maior a área das manchas estelares, maior o armazenamento de energia magnética para produzir a explosão. “Nossos resultados trouxeram uma perspectiva um pouco diferente. Como já foi dito, na Kepler-411, detectamos 65 superflares, com energias de até 1.035 ergs [1.035 ×107 quilojoule]. Enquanto a Kepler-210 não apresentou nenhuma supererupção, mesmo com o dobro de cobertura temporal, o que nos deu maior probabilidade de observação. E o que mais nos surpreendeu foi o fato de os raios das manchas estelares da Kepler-411 serem muito menores do que os da Kepler-210”, enfatiza Araújo.
A explicação pode estar no fato de que, a despeito de serem maiores em área, as manchas da Kepler-210 apresentam uma configuração magnética mais simples. “No Sol, as manchas são classificadas de acordo com o comportamento do campo magnético na área. E classificadas como alfa (α), beta (β), gama (γ) e delta (δ), ou por meio de uma combinação dessas configurações. As manchas deltas são as que apresentam intensa atividade de flares solares. Acreditamos que as manchas da Kepler-210 apresentem uma configuração magnética mais simples, do tipo alfa ou beta. Infelizmente, a confirmação exata dessa hipótese só seria possível por meio de magnetogramas, que são imagens capazes de detectar a localização e a intensidade dos campos magnéticos. Atualmente, só conseguimos observar isso no Sol. Ainda não temos tecnologia para obter magnetogramas de estrelas distantes. De qualquer forma, nosso estudo já nos permite dizer que, em vez de fechar o foco na área das manchas estelares, talvez seja mais produtivo considerar a complexidade magnética das regiões ativas”, conclui Valio.
O artigo The connection between starspots and superflares: a case study of two stars pode ser acessado em: https://academic.oup.com/mnrasl/article-abstract/522/1/L16/7079139?redirectedFrom=fulltext.
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