Pesquisadores da USP e da UFABC mapearam o conhecimento do tema entre responsáveis por projetos municipais de 20 cidades brasileiras; estudo destaca a necessidade de adaptar iniciativas de países do hemisfério Norte para a realidade do Brasil (ilustração:Projeto do escritório Jaime Lerner para a recuperação do Minhocão/Prefeitura de São Paulo)
Pesquisadores da USP e da UFABC mapearam o conhecimento do tema entre responsáveis por projetos municipais de 20 cidades brasileiras; estudo destaca a necessidade de adaptar iniciativas de países do hemisfério Norte para a realidade do Brasil
Pesquisadores da USP e da UFABC mapearam o conhecimento do tema entre responsáveis por projetos municipais de 20 cidades brasileiras; estudo destaca a necessidade de adaptar iniciativas de países do hemisfério Norte para a realidade do Brasil
Pesquisadores da USP e da UFABC mapearam o conhecimento do tema entre responsáveis por projetos municipais de 20 cidades brasileiras; estudo destaca a necessidade de adaptar iniciativas de países do hemisfério Norte para a realidade do Brasil (ilustração:Projeto do escritório Jaime Lerner para a recuperação do Minhocão/Prefeitura de São Paulo)
Luciana Constantino | Agência FAPESP – Amplamente divulgadas em países da Europa e nos Estados Unidos, iniciativas envolvendo soluções baseadas na natureza (Nature-based Solutions ou NbS, na sigla em inglês) ainda são escassas em municípios brasileiros e pouco adotadas nas políticas públicas locais mesmo quando os gestores conhecem o conceito.
Esse é um dos principais resultados de uma pesquisa recém-publicada por cientistas das universidades de São Paulo (USP) e da Federal do ABC (UFABC). Baseado em questionários e grupo focal com técnicos e responsáveis por projetos em cidades das cinco regiões do país, o estudo busca contribuir para a redução da lacuna de conhecimento dessas soluções, que abordam os desafios da sociedade por meio da proteção, gestão sustentável e restauração de ecossistemas, beneficiando a biodiversidade e o bem-estar humano.
Formado por diferentes escalas, o NbS dispõe de uma série de ferramentas para cidades que buscam reduzir as emissões de gases de efeito estufa, tornando-se mais resilientes ao clima e ecologicamente saudáveis. A pioneira no conceito foi a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), uma organização que reúne desde 1948 mais de 1.400 membros de governos e da sociedade civil de 160 países e desenvolveu uma definição formal e padrão global como salvaguardas para seu uso.
Atualmente, países do hemisfério Norte têm focado em agendas de recuperação e de desenvolvimento dos municípios baseadas em NbS, com projetos e estudos voltados ao tema. Porém, há casos em que essas iniciativas acabaram, por exemplo, provocando o aumento do custo de moradias e o deslocamento de pessoas de um bairro com mais infraestrutura para outro mais distante da região central, ampliando desigualdades.
“A pesquisa buscou, entre outros aspectos, olhar se essas políticas que chegam de países do Norte são adaptadas por aqui e se estão dando certo. Tivemos a confirmação de que há um crescimento do tema nas cidades brasileiras. Os gestores estão capacitados e familiarizados com o conceito de soluções baseadas na natureza, mas o problema é priorizá-lo na tomada de decisão”, explica à Agência FAPESP o cientista social e planejador urbano Pedro Henrique Campello Torres, professor da USP e autor correspondente do artigo.
E completa: “Se as políticas públicas que priorizam a implementação de soluções baseadas na natureza forem implantadas em áreas onde já existe infraestrutura, está sendo perdida uma oportunidade de resolver problemas de desigualdade de acesso a melhorias ambientais. Isso reverbera na saúde pública, em áreas de lazer e também é um tema relacionado à questão do racismo ambiental”.
O trabalho é fruto da pesquisa de pós-doutorado de Torres apoiada pela FAPESP. O cientista social também desenvolve um projeto conduzido no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).
Relatório Mundial das Cidades publicado em 2022 pela ONU-Habitat estimou que, pelo ritmo atual, as áreas urbanas passarão dos atuais 56% da população global para 68% até 2050. E, apesar de uma desaceleração no ritmo da urbanização durante a pandemia de COVID-19, a projeção é de que até 2050 essa população receba um acréscimo de 2,2 bilhões de pessoas.
Por outro lado, o documento aponta que os impactos da pandemia aliados às incertezas econômicas globais, guerras, como a da Ucrânia, e conflitos em diferentes partes do mundo podem aumentar a pobreza em mais de 30% (mais 213 milhões de pessoas) até 2030, com reflexos de longo prazo no futuro das cidades.
Para enfrentar esses desafios, o investimento em desenvolvimento urbano sustentável seria o caminho, com prioridade para a redução da pobreza e da desigualdade; o fomento de economias produtivas e inclusivas e a adoção de políticas ambientais que mitiguem as mudanças climáticas. Iniciativas como jardins de chuva, parques lineares, restauração de encostas de morros e agricultura urbana são modelos de ações que ajudam as cidades a se tornarem mais resilientes diante de eventos climáticos extremos, gerando benefícios para a sociedade.
Passo a passo
Os pesquisadores desenvolveram um questionário elaborado com base nos elementos-chave das soluções baseadas na natureza, relacionados às dimensões de justiça e processos de gentrificação verde. Esses processos são desencadeados pela renovação verde de uma área urbana, que resulta em mudanças no perfil de moradores de determinada região devido a remoções e aumento de preços.
O questionário, com 14 perguntas, sendo seis abertas, foi aplicado a gestores, técnicos e responsáveis por projetos em municípios brasileiros selecionados. O objetivo foi diagnosticar o estágio de desenvolvimento e entendimento do conceito de NbS, bem como as referências usadas em sua prática e casos concretos, se houvesse. As oito questões de múltipla escolha tinham o objetivo de compreender como as dimensões da justiça estão relacionadas e podem ser integradas ao desenho e à implementação de NbS.
Responderam 31 pessoas de 20 municípios, entre os dias 9 e 27 de novembro de 2020, sendo a maioria integrante do ICLEI - Governos Locais pela Sustentabilidade https://americadosul.iclei.org/, uma rede global de 2.500 governos locais e regionais de 130 países envolvida com desenvolvimento urbano sustentável.
As cidades incluídas foram Rio de Janeiro, Nova Iguaçu e Niterói, no Estado do Rio de Janeiro; Boituva, Campinas, Sorocaba, Suzano, Santo André, Ribeirão Pires, Mogi das Cruzes e a capital, no Estado de São Paulo; São Leopoldo e Porto Alegre, no Rio Grande do Sul; Joinville e Lindóia do Sul, em Santa Catarina; Belo Horizonte (MG); Curitiba (PR); Fortaleza (CE); Macapá (AP) e Cuiabá (MT).
Após a conclusão dos questionários, os cientistas fizeram um grupo de discussão, no dia 21 de dezembro de 2020, com um participante de cada região brasileira para apresentar os principais resultados e verificar possíveis diferenças regionais. Na terceira etapa, os dados do estudo e do grupo focal foram analisados para identificar as principais barreiras, desafios, lacunas e limitações, bem como oportunidades levantadas pela implantação de NbS nos municípios brasileiros.
Resultados
Dos entrevistados, 28,5% responderam ter conhecido o conceito de soluções baseadas na natureza por meio da academia, seguido por artigos ou livros (22%), cursos externos (10%) e parcerias com organizações não governamentais (10%).
Questionados se poderiam mencionar um projeto municipal de NbS, 18 dos 31 foram capazes de identificar o conceito, mas não conseguiram nomear os projetos individualmente. Foram citados os seguintes tipos de ações: reflorestamento para recuperação de bacia hidrográfica; jardim de chuva; implantação de parque com reflorestamento; parque linear; recuperação de áreas contaminadas; vias-parque construídas de forma ecológica e plantio de árvores para combater “ilhas” de calor.
Em relação aos mecanismos de financiamento que poderiam promover mais projetos e obras para soluções baseadas na natureza, 38% apontaram o fundo ambiental municipal, 26% parcerias público-privadas e 10% emendas parlamentares individuais ou coletivas.
Quando abordadas as ações que poderiam prevenir desigualdades, 28% responderam que a promoção da governança colaborativa seria um caminho e 22% falaram do envolvimento da comunidade local desde a fase de concepção da proposta até a implementação.
“Quando perguntamos aos gestores se os projetos estavam direcionados a reduzir déficits ou carências de regiões sem estrutura, a resposta padrão foi não. Ou seja, ao contrário de estarem em áreas carentes, as iniciativas eram desenvolvidas onde já havia a maior parte das áreas verdes. Isso leva à manutenção de certo privilégio ambiental, com a parcela de moradores sem acesso permanecendo na mesma condição. Queremos o contrário: mais áreas verdes e soluções baseadas na natureza para que todos tenham acesso de forma democrática”, diz Torres.
Para avançar na discussão, o artigo traz três recomendações: articulação global e local para enfrentar questões estruturais e de financiamento; transparência e inclusão no desenho e implementação de instrumentos de proteção e de justiça ambiental; e processos participativos e com multiatores na governança e na implementação dos projetos.
Segundo Torres, o caso brasileiro pode contribuir para a discussão do tema em outros países da região sul do globo, com desigualdades e vulnerabilidades sociais semelhantes, como na América Latina, África e Ásia.
O estudo Just cities and nature-based solutions in the Global South: A diagnostic approach to move beyond panaceas in Brazil, dos pesquisadores Pedro Henrique Campello Torres, Daniele Tubino Pante de Souza, Sandra Momm, Luciana Travassos, Sophia Picarelli, Pedro Roberto Jacobi e Robson da Silva Moreno, também recebeu apoio da FAPESP por meio de outros dois projetos (18/12245-1 e 19/06536- 6). O texto está disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1462901123000503?dgcid=coauthor.
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