Rico em frutose, o xarope de milho é usado na produção de bolachas recheadas, doces, refrigerantes e vários outros produtos (foto: FotoosVanRobin/Wikimedia Commons)
Pesquisa em ratos mostrou aumento da pressão arterial e comprometimento na regulação fisiológica do sistema cardiovascular da prole. Além das frutas, esse carboidrato simples é encontrado no xarope de milho, ingrediente amplamente utilizado pelas indústrias alimentícia e de bebidas
Pesquisa em ratos mostrou aumento da pressão arterial e comprometimento na regulação fisiológica do sistema cardiovascular da prole. Além das frutas, esse carboidrato simples é encontrado no xarope de milho, ingrediente amplamente utilizado pelas indústrias alimentícia e de bebidas
Rico em frutose, o xarope de milho é usado na produção de bolachas recheadas, doces, refrigerantes e vários outros produtos (foto: FotoosVanRobin/Wikimedia Commons)
Luciana Constantino | Agência FAPESP – Filhos de pais que consomem frutose em excesso apresentam precocemente distúrbios nos sistemas nervoso autônomo, cardiovascular e metabólico – o que aumenta o risco de desenvolverem doenças crônicas, como diabetes e obesidade, na fase adulta. A conclusão é de uma pesquisa em ratos realizada por cientistas brasileiros e publicada no International Journal of Obesity.
Os resultados confirmam dados da literatura científica relacionados ao surgimento de distúrbios metabólicos – como níveis elevados de triglicérides (a partir de 150 mg/dL) e resistência à insulina – em descendentes de pais com consumo excessivo de frutose. Além disso, a prole apresentou aumento da pressão arterial e um comprometimento na sensibilidade do barorreflexo, um mecanismo de regulação fisiológica do sistema cardiovascular que ajuda a manter a pressão arterial dentro dos limites considerados normais.
Apesar de a frutose ser conhecida como “açúcar natural das frutas”, esse carboidrato simples (monossacarídeo) compõe também o xarope de milho, amplamente utilizado pelas indústrias alimentícia e de bebidas na produção de bolachas recheadas, doces e refrigerantes. Adoça entre 20% e 80% a mais do que a glicose pura. Seu consumo excessivo tem sido associado às altas taxas de sobrepeso e obesidade na população mundial, incluindo crianças.
“A medicina trabalhou durante muitos anos somente apagando incêndio, atuando quando a doença já estava instalada. Hoje temos elementos e estudos científicos que contribuem para uma medicina preventiva. Estamos com uma bomba-relógio para as próximas gerações caso não haja avanço nesse tipo de prevenção”, avalia a fisiologista Kátia De Angelis, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e autora correspondente do artigo.
Segundo a pesquisadora, o estudo reforça a importância do sistema nervoso autônomo (SNA) na regulação de várias funções corporais, podendo ser um sinalizador para detectar precocemente a propensão de crianças a desenvolver esses tipos de doença na fase adulta. É o SNA o responsável por regular automaticamente funções corporais involuntárias, como frequência cardíaca, pressão arterial, respiração, digestão e regulação da temperatura.
Pandemia de obesidade
Estima-se que mais da metade da população global – o que representa cerca de 4 bilhões de pessoas – estará acima do peso ou com obesidade até 2035 caso não sejam adotadas ações significativas para conter o problema. O Atlas Mundial da Obesidade 2023 revela que o crescimento anual é de 2,8% entre adultos e 4,4% na infância.
No Brasil, a estimativa é de que 41% dos adultos tenham obesidade nos próximos 12 anos. Atualmente, esse percentual é de 17,1%, segundo o Covitel 2023 (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis em Tempos de Pandemia), do Ministério da Saúde. Dados da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) apontam que entre 60% e 90% dos portadores da doença estejam também com obesidade, sendo que a incidência é maior após os 40 anos.
“É claro que não é o fator único para obesidade, mas esse excessivo consumo de frutose veio acompanhado das tendências de crescimento do acúmulo de sobrepeso e obesidade na população”, complementa De Angelis, que foi orientadora de doutorado da primeira autora, Camila Paixão dos Santos, no Programa de Medicina Translacional da Unifesp.
O trabalho recebeu apoio da FAPESP por meio de dois projetos (22/04050-1 e 18/17183-4).
Ao ser metabolizada no fígado, a frutose ingerida em grande quantidade pode aumentar a produção de ácidos graxos, promovendo o acúmulo de triglicérides e o ganho de peso corporal, que está associado à elevação de moléculas inflamatórias envolvidas no desenvolvimento de outras doenças.
A Associação Americana do Coração (AHA) recomenda limitar a ingestão de açúcar a 100 calorias por dia para mulheres (equivalente a 26 gramas) e 150 calorias para homem (39 gramas) para uma dieta saudável. Cerca de 350 ml de refrigerante, por exemplo, chega a ter 38 gramas de açúcar. Já a Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza um consumo máximo equivalente a 10% das calorias diárias – exemplo: para 2 mil calorias seriam 50 gramas de açúcar por dia ou cerca de dez colheres de chá.
Acúmulo de conhecimento
Presidente da Sociedade Brasileira de Hipertensão, professora da pós-graduação da Unifesp e da Universidade Nove de Julho (Uninove), De Angelis vem estudando há mais de 20 anos temas ligados a doenças cardiovasculares, diabetes e obesidade. Em 2012, uma pesquisa publicada por grupo coordenado pela professora mostrou que camundongos submetidos ao consumo crônico de frutose apresentaram resistência à insulina, além de disfunções hemodinâmicas e autonômicas associadas a um perfil inflamatório. À época, 15 dias após os animais adultos começarem a dieta com frutose, eles já apresentavam aumento de pressão sistólica.
“Fomos surpreendidos por uma associação entre um pequeno aumento da pressão arterial acompanhado de marcante elevação da modulação simpática sobre o sistema cardiovascular nos animais. O que surpreendeu foi que o aumento do simpático vinha antes de qualquer alteração metabólica, ou seja, não havia mudança nos níveis de glicose e triglicérides, por exemplo, pelas medidas clássicas que o médico faria no consultório. A pressão quase não alterava, mas a hiperatividade simpática já estava muito presente. Isso levantou um alerta sobre a disfunção do sistema nervoso autônomo controlando as vísceras”, conta a pesquisadora à Agência FAPESP.
No estudo publicado agora, os cientistas submeteram os animais a uma ingestão de 10% de frutose na água por 60 dias antes do acasalamento. A prole foi avaliada 30 dias após o desmame e não recebeu frutose em sua dieta.
Foram observados menor peso ao nascer, níveis elevados de triglicerídeos sanguíneos e resistência à insulina no grupo descendente de pais que consumiram frutose, em comparação ao controle. Além disso, o primeiro grupo apresentou aumento da pressão arterial média e comprometimento da sensibilidade do barorreflexo, caracterizado por respostas bradicárdicas (desaceleração dos batimentos cardíacos) e taquicárdicas (aceleração dos batimentos) reduzidas.
O prejuízo no barorreflexo foi associado a uma menor tolerância à insulina e uma pressão arterial sistólica mais elevada.
“O que mostramos é o mecanismo pelo qual é possível detectar a disfunção precocemente. Estamos tentando alertar que talvez seja necessário avaliar nas crianças, antes mesmo de elas terem aumento de pressão ou disfunção metabólica, os sinalizadores anteriores, como os ligados ao sistema nervoso autônomo. Se as crianças ou os pais são expostos a um alto consumo de frutose, provavelmente esses filhos vão desenvolver uma disfunção na vida adulta. Se conseguir detectar precocemente, talvez seja possível atenuar ou retardar o aparecimento de doenças.”
Agora os pesquisadores estão avaliando alternativas terapêuticas e também qual pode ser o impacto do treinamento físico nesses casos. Em pesquisas anteriormente publicadas, o grupo de cientistas demonstrou os benefícios do treinamento físico em animais que consumiram frutose ao longo da vida ou já adultos.
O artigo Parental fructose consumption induces early baroreflex dysfunction in offspring: impact on arterial pressure and on insulin resistance pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41366-023-01409-y.
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