Cientistas da USP revelam que a ocorrência dos chamados sistemas convectivos de mesoescala, responsáveis por 40% da precipitação na região, já sofre impacto das mudanças climáticas (foto: Léo Ramos Chaves/Pesquisa FAPESP)
Cientistas da USP revelam que a ocorrência dos chamados sistemas convectivos de mesoescala, responsáveis por 40% da precipitação na região, já sofre impacto das mudanças climáticas
Cientistas da USP revelam que a ocorrência dos chamados sistemas convectivos de mesoescala, responsáveis por 40% da precipitação na região, já sofre impacto das mudanças climáticas
Cientistas da USP revelam que a ocorrência dos chamados sistemas convectivos de mesoescala, responsáveis por 40% da precipitação na região, já sofre impacto das mudanças climáticas (foto: Léo Ramos Chaves/Pesquisa FAPESP)
Karina Ninni | Agência FAPESP – A formação de tempestades depende da umidade e da energia disponíveis na atmosfera. Mas existem condições que fazem com que essas chuvas fortes se aglomerem, formando os chamados sistemas convectivos de mesoescala (SCMs) – grosso modo, grandes tempestades que se retroalimentam, estendendo-se por quilômetros e podendo durar horas.
De acordo com novo artigo publicado na revista Climate Dynamics, eles são responsáveis por 40% da precipitação na Amazônia e vêm sendo impactados pelas mudanças climáticas: sua ocorrência vem sendo reduzida. Trata-se do primeiro estudo relacionando a ocorrência de sistemas convectivos de mesoescala com as mudanças climáticas na Amazônia, segundo os autores.
“Tínhamos indícios de que a precipitação na região estava sendo afetada durante os meses de setembro, outubro e novembro, com a estação chuvosa sendo reduzida e a seca aumentando. Então, nos perguntamos se os sistemas convectivos de mesoescala poderiam estar relacionados a esse fenômeno. Na Amazônia, não havia nenhum estudo sobre sistemas convectivos e mudanças climáticas”, afirma Amanda Rehbein, pós-doutoranda no Departamento de Ciências Atmosféricas do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP) e primeira autora do trabalho.
Segundo a pesquisadora, comparando-se o período passado (1950 a 1960) ao presente, houve redução de quase 3% na ocorrência dos SCMs. “É claro que, quando separamos por estações, conseguimos uma visão mais pontual do que acontece em cada período do ano. Mas, numa visão geral do passado para o futuro próximo, os SCMs tendem a diminuir. Por outro lado, a intensidade deles, no sentido da precipitação, está aumentando. E essa precipitação aumentada está igualmente projetada para o futuro, entre 2040 e 2050, que foi o período que modelamos”, revela ela.
Para Tércio Ambrizzi, professor do IAG-USP e coautor do artigo, compreender esses sistemas e como se comportarão no futuro dará uma ideia da variabilidade da precipitação na Amazônia e também poderá indicar, sazonalmente, como ela será impactada. “Descobrimos que a precipitação é muito afetada entre setembro e dezembro e entre junho e agosto, mas menos de março a maio.”
O trabalho foi financiado pela FAPESP por meio de quatro projetos (16/10557-0, 17/09659-6, 14/50848-9 e 18/17134-3).
Dados
A dupla usou dados observacionais de sensoriamento remoto, principalmente de satélites, e também dados de estações de medição utilizadas pelo GOAmazon (programa integrado ao Experimento de Larga Escala na Biosfera-Atmosfera na Amazônia [LBA] e apoiado pela FAPESP), além de modelos climáticos. Do GOAmazon, focado na região central da Amazônia, resultou o primeiro recenseamento de nuvens do Brasil (leia mais em: agencia.fapesp.br/20320/).
“Para estudar esses sistemas precisamos de dados com alta resolução temporal e espacial e esses dados de satélite só existem a partir dos anos 2000 para a Amazônia. Então, para estudar o clima passado e o futuro, tivemos de usar modelos. Mas esses modelos que levam em conta o input das mudanças climáticas geralmente têm uma resolução muito baixa, são muito genéricos, simulam mais as circulações gerais e, com eles, não conseguimos representar essas tempestades”, explica Rehbein.
De acordo com a cientista, no início dos anos 2000, um grupo de cientistas japoneses desenvolveu um modelo chamado NICAM (Nonhydrostatic ICosahedral Atmospheric Model), que leva em conta essas circulações gerais da atmosfera, mas representadas com uma resolução mais alta.
“Estávamos usando outra ferramenta quando nos deparamos com esse modelo e achamos que ele nos seria mais útil. Acabei fazendo um estágio na Universidade de Tóquio, no Japão, com uma das pessoas que desenvolveram esse modelo. Aprendi a rodar e a usar o NICAM e, então, fizemos algumas simulações para o estudo”, revela.
Rehbein explica que os modelos são divididos em quadrados. “Se os pontos estão muito distantes não se enxerga a nuvem que ocorre no meio e aí o modelo tem de ‘adivinhar’. À medida que a resolução aumenta, esses pontos são aproximados e a chance de detectar as nuvens é maior. Quanto maior a resolução, maiores as chances de detectar os sistemas convectivos.”
Segundo ela, as simulações finais usadas no estudo, que levam 30 anos de dados, foram geradas pelos japoneses. “Elas exigem poder computacional de processamento e armazenamento muito grande.”
Ambrizzi explica que o modelo utilizado faz simulações interpolando dados: usa os de satélite e os de estação meteorológica, quando há. “Com essas informações se faz a análise dos SCMs no passado e no presente. Fizemos uma comparação do passado com o presente e sua extrapolação para um clima mais quente, no futuro.”
Ele observa, porém, que o fator desmatamento não foi levado em consideração no estudo. “O desmatamento, que altera a estrutura termodinâmica da floresta, pode levar não só a uma diminuição dos SCMs, mas à redução das chuvas – que é o que as projeções, no geral, indicam. A floresta, do jeito que está, tem condições ainda de gerar mais umidade e, essa umidade, de gerar nuvens e precipitação. É por isso que, em alguns meses, encontramos tendência de aumento dos SCMs. O desmate altera esse equilíbrio e, provavelmente, se o considerarmos, teremos menos chuvas, como indicam alguns modelos que trabalham com desmatamento.”
Segundo Ambrizzi, agora é possível não somente entender melhor esses sistemas, como também olhar para o futuro, no cenário de aquecimento do planeta, e tentar projetar como isso influencia os SCMs. “Amanda vem estudando e descrevendo esses sistemas: qual o tempo de vida, quando nascem e morrem, a porcentagem que geram de precipitação na Amazônia, no cômputo geral. Isso tudo é novo, poucos estudos tinham sido feitos. A resolução do GOAmazon é boa e ela usou esses dados. Depois disso, ampliou para a bacia toda e usou todos os tipos de dados disponíveis.”
Tendência de queda
O que os cientistas descobriram difere de alguns poucos estudos que existem sobre o tema em outros lugares, como a região central dos Estados Unidos e o Sahel (faixa de território na África localizada entre o oceano Atlântico e o mar Vermelho), em que se observa um aumento da ocorrência dos sistemas e também de sua intensidade.
“Nos Estados Unidos há dados de longo prazo que apontam essa tendência de aumento da ocorrência e da intensidade. Então, o primeiro resultado importante leva, na verdade, a outra pergunta: por que na Amazônia essa tendência é diferente de outros lugares do globo? Um segundo insight nessa linha é que nossos modelos consideram apenas as mudanças climáticas, ou seja, o aumento da temperatura; não estamos considerando outras variáveis. E se considerássemos? E uma terceira contribuição é a descoberta do grande potencial do NICAM para estudar tempestades na Amazônia”, sublinha Rehbein.
Basicamente, o que os cientistas concluíram é que os SCMs já têm essa variabilidade entre as estações (no inverno eles tendem a produzir mais precipitação do que no verão) e, no futuro, reafirma-se a tendência de produção de mais precipitação, independentemente da estação.
Eles explicam que os sistemas convectivos de mesoescala se formam quando há condições especiais na atmosfera que fazem com que as tempestades se aglomerem e se retroalimentem. “Começa a chover, forma-se uma piscina fria na baixa atmosfera, um ar frio que ajuda a levantar mais ar quente e retroalimenta a tempestade, que vai crescendo, aumentando, toma a dimensão de vários quilômetros e dura muitas horas. E esses aglomerados se formam na Amazônia também. Agora já sabemos melhor como eles funcionam. Sabemos que o aumento da temperatura provoca mais umidade na atmosfera e isso contribui para que esses fenômenos sejam mais intensos. Estamos investigando várias hipóteses: por exemplo, por que em junho, julho e agosto foi observado um aumento nos SCMs, quando em todos os outros períodos eles estão diminuindo? Pode ser algum impacto na dinâmica da atmosfera, uma modificação na dinâmica geral da atmosfera, mas ainda são investigações e hipóteses”, adianta Ambrizzi.
O artigo Mesoscale convective systems over the Amazon basin in a changing climate under global warming pode ser acessado em: https://link.springer.com/article/10.1007/s00382-022-06657-8.
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