Macho da espécie solitária Centris analis sendo exposta oralmente ao agrotóxico em condições de laboratório (foto: Rafaela Tadei/Unesp)
Testes preliminares feitos por cientistas da Unesp e da UFSCar indicam que a regulamentação atual, baseada em protocolo que tem como referência a espécie europeia Apis mellifera, pode não ser suficiente para garantir a proteção de polinizadoras nativas
Testes preliminares feitos por cientistas da Unesp e da UFSCar indicam que a regulamentação atual, baseada em protocolo que tem como referência a espécie europeia Apis mellifera, pode não ser suficiente para garantir a proteção de polinizadoras nativas
Macho da espécie solitária Centris analis sendo exposta oralmente ao agrotóxico em condições de laboratório (foto: Rafaela Tadei/Unesp)
Julia Moióli | Agência FAPESP – Um dos agrotóxicos mais comuns no Brasil, o neonicotinoide imidacloprido, pode estar colocando em risco as abelhas nativas, sugere estudo publicado recentemente na revista Environmental Research. Porém, por não contar com um protocolo de avaliação de risco específico para essas espécies, os cientistas brasileiros desconhecem as reais dimensões do problema.
O alerta vem de resultados preliminares de estudos que estão sendo conduzidos na Universidade Estadual Paulista (Unesp) e na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) com o objetivo de entender qual é a sensibilidade específica das abelhas nativas sociais (Melipona scutellaris e Scaptotrigona postica) e solitárias (Tetrapedia diversipes e Centris analis) a esses compostos.
A investigação conta com apoio da FAPESP por meio de dois projetos (17/21097-3 e 19/27863-5).
Nos testes realizados em laboratório, as abelhas são expostas ao agrotóxico, usado em culturas de algodão, batata, cana-de-açúcar, feijão e tomate, entre outras. Diluído em concentração relevante ambientalmente, ou seja, semelhante à que seria encontrada na natureza, o químico é aplicado por via oral (simulando a coleta de recursos alimentares como pólen, néctar, óleos florais e resinas) e por contato (como acontece em nuvens de pulverização durante a aplicação do produto nas lavouras).
Em seguida, são avaliados fatores como o comportamento dos insetos (por exemplo, a capacidade de realizar caminhos habituais, resposta à luz e nível de desorientação), marcadores celulares e mortalidade.
No caso das abelhas solitárias, dizem os autores, os estudos são ainda mais incipientes e incluem o desafio extra da falta de conhecimento sobre a biologia do animal.
“Ainda sabemos pouco sobre seu ciclo de vida e seus hábitos e, por isso, é necessário primeiro criar as espécies em laboratório para depois propor um protocolo adequado”, explica Osmar Malaspina, professor do Instituto de Biociências da Unesp em Rio Claro.
Resultados preliminares dos estudos com abelhas solitárias vêm indicando que elas podem ser afetadas por agrotóxicos mesmo em baixas concentrações. “Já podemos observar efeitos preocupantes de envenenamento, como tremores e incapacidade de voo”, conta Rafaela Tadei, doutoranda em ciências biológicas na Unesp sob a orientação de Malaspina e coautora do artigo. “Se a abelha estivesse na natureza e não no laboratório, seria predada e morreria.”
Avaliações feitas no corpo gorduroso dessas abelhas solitárias, parte responsável pela desintoxicação e que também serve como reserva de nutrientes, indicam que essa estrutura está sendo afetada, o que pode comprometer funções fisiológicas.
Falta de protocolo
Hoje, no mundo todo, a avaliação de risco de agrotóxicos para abelhas utiliza como referência uma das espécies mais comuns no mundo, a produtora de mel Apis mellifera. No Brasil, onde há cerca de 3 mil espécies nativas, para as quais inexistem modelos específicos, o padrão internacional é extrapolado com um fator de segurança de dez, que também é baseado em espécies não brasileiras. Porém, de acordo com os estudos da Unesp e da UFSCar, nem essa medida extra de cautela parece ser suficiente para garantir a proteção dos insetos, o que reforça a necessidade de protocolos específicos e melhorias na regulamentação.
“Quando utilizamos uma espécie-modelo menos sensível como padrão, supomos que as abelhas estão seguras quando, na verdade, elas podem não estar”, explica a pesquisadora. “E, embora ainda sejam necessários mais estudos para sabermos o quanto os agrotóxicos afetam a reprodução das abelhas brasileiras e o serviço de polinização realizado por elas, sabemos que a diminuição da população de polinizadores se refletirá na redução da diversidade de alimentos, afetando o sistema econômico e, consequentemente, a sociedade”, diz Tadei.
“Estudar os efeitos dos agrotóxicos nas abelhas nos permite buscar meios de preservar a nossa biodiversidade e identificar o que está acontecendo com essas populações para que não fique tarde demais para recuperá-las e passemos a depender da polinização manual ou de outros meios que vão encarecer muito nosso recurso alimentar.”
Segundo Tadei, o passo seguinte aos estudos será a inclusão de três esferas nesse debate: a sociedade civil, para que entenda a necessidade da pesquisa e da proteção ao meio ambiente; os órgãos governamentais, para que melhorem a regulamentação com base em dados cientificamente comprovados; e a comunidade científica, para que trabalhe em conjunto e obtenha as melhores respostas para o meio ambiente.
O artigo Are native bees in Brazil at risk from the exposure to the neonicotinoid imidacloprid? pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0013935122004546?dgcid=coauthor.
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