Larvas do chama-maré (Leptuca thayeri), à esquerda, tiveram redução na taxa de sobrevivência com aumento de temperatura, além de alterações fisiológicas resultantes da elevação da acidez. À direita, indivíduo adulto (foto: Murilo Marochi/Unesp)
Em experimento, larvas de caranguejo que servem de alimento para outras espécies tiveram a sobrevivência e a fisiologia afetadas pela elevação de temperatura. Eventos do tipo deverão ser até 35% mais frequentes até o fim do século na região avaliada
Em experimento, larvas de caranguejo que servem de alimento para outras espécies tiveram a sobrevivência e a fisiologia afetadas pela elevação de temperatura. Eventos do tipo deverão ser até 35% mais frequentes até o fim do século na região avaliada
Larvas do chama-maré (Leptuca thayeri), à esquerda, tiveram redução na taxa de sobrevivência com aumento de temperatura, além de alterações fisiológicas resultantes da elevação da acidez. À direita, indivíduo adulto (foto: Murilo Marochi/Unesp)
André Julião | Agência FAPESP – O aumento das ondas de calor marinhas nas próximas décadas, ocasionado pelas mudanças climáticas globais, deve afetar consideravelmente as formas de vida desse ambiente, inclusive aquelas na base da cadeia alimentar. É o que aponta um estudo publicado na revista Estuarine, Coastal and Shelf Science por pesquisadores brasileiros que atuam no Brasil, na Noruega e nos Estados Unidos.
As ondas de calor marinhas são caracterizadas por períodos de mais de cinco dias com a temperatura da água ultrapassando 90% da média histórica para a região. Estimativas para a área de Santos e São Vicente, onde o estudo foi realizado, apontam para um aumento de 35% na frequência desses eventos até 2100.
É importante diferenciar esses eventos no mar das ondas de calor atmosféricas, que tendem a ser ainda mais intensas, mas afetam sobretudo o ambiente terrestre, inclusive as cidades.
“Ainda que as larvas [de caranguejo da espécie Leptuca thayeri] tenham sobrevivido a um aumento na acidez da água, a elevação de 2 oC na temperatura nos primeiros três a quatro dias de vida levou a uma redução de 15% na taxa de sobrevivência, em comparação com as que estavam na temperatura média da região. Um aumento de 4 oC levou a uma mortalidade 34% maior”, relata Murilo Zanetti Marochi, primeiro autor do estudo realizado durante estágio de pós-doutorado no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-CLP-Unesp), em São Vicente.
O estudo integra um projeto que busca compreender os impactos das mudanças climáticas na fauna estuarina do Estado de São Paulo, no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG). É conduzido em parceria com Alvaro Montenegro, professor da Ohio State University, nos Estados Unidos.
“Essa espécie é extremamente abundante no estuário, a região entre o mar e o rio. Depois que os ovos eclodem, as larvas passam alguns dias nessa área e migram para o oceano. Menos de 1% retorna para completar o ciclo de vida, pois a maioria vira alimento para outras espécies. Por isso, ela é fundamental para o ecossistema”, conta Tânia Marcia Costa, professora do IB-CLP-Unesp que coordenou o projeto.
Futuro mais quente
Em um estudo anterior, Costa e o então mestrando Juan Carlos Farias Pardo mostraram o efeito da elevação de temperatura nos embriões da espécie Leptuca thayeri, conhecida como caranguejo chama-maré. Atualmente, Pardo é doutorando na Universidade de Agder, na Noruega.
Na ocasião, os pesquisadores observaram que naquela fase da vida não só a água mais quente como também a maior acidez diminuem a sobrevivência (leia mais em: agencia.fapesp.br/36084/).
No estudo atual, em que Pardo também é coautor, não foi observada uma diferença significativa na sobrevivência das larvas por conta do aumento da acidez da água, mas foram notadas mudanças fisiológicas. As previsões para as próximas décadas dão conta de uma diminuição do pH marinho, o que deve afetar muitas espécies.
“Por estar nos estuários, um ambiente que naturalmente passa por grandes variações na acidez, provavelmente a espécie suporta algum aumento desse parâmetro”, acredita Marochi, atualmente professor colaborador na Universidade Estadual do Paraná (Unespar), em Paranaguá.
No entanto, assim como o aumento de temperatura, a acidez elevada acelera os batimentos cardíacos, um sinal de estresse fisiológico, e diminui a mobilidade desses organismos.
“Eles nadam menos e podem não conseguir permanecer na camada de água mais próxima da superfície, onde vivem as microalgas de que se alimentam”, explica.
Os efeitos das ondas de calor marinhas, portanto, devem ser prejudiciais à espécie e para aquelas que se alimentam dela, o que poderia acarretar perdas econômicas na pesca, por exemplo. No entanto, não há estudos que confirmem uma queda nos estoques do chama-maré nos últimos 20 anos.
Para os autores do estudo, isso pode ser resultado de outros fatores que compensem essas alterações. Por exemplo, o fato de que o aumento da temperatura da água pode diminuir o tempo de desenvolvimento larval dos crustáceos, expondo-os menos tempo a predadores e a condições ambientais severas.
Além disso, o aumento da temperatura pode acarretar maior produção de microalgas e microrganismos que servem de alimento para as larvas de chama-maré e de outras espécies. Porém, novos estudos vão avaliar o quanto esse efeito pode ou não compensar o aumento da mortalidade das larvas.
O artigo Marine heatwave impacts on newly-hatched planktonic larvae of an estuarine crab pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0272771422003808.
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