Dia da caça: pesquisador tenta coletar raia e, pouco depois, leva ferroada (fotos: Phelipe Janning/Agência FAPESP)
Baixa gravidade da lesão, atendimento médico rápido e cuidados adequados fizeram com que pesquisador pudesse voltar aos trabalhos no mesmo dia em que foi ferroado por peixe peçonhento. Na Amazônia, casos muitas vezes se agravam por carência de assistência especializada
Baixa gravidade da lesão, atendimento médico rápido e cuidados adequados fizeram com que pesquisador pudesse voltar aos trabalhos no mesmo dia em que foi ferroado por peixe peçonhento. Na Amazônia, casos muitas vezes se agravam por carência de assistência especializada
Dia da caça: pesquisador tenta coletar raia e, pouco depois, leva ferroada (fotos: Phelipe Janning/Agência FAPESP)
André Julião e Phelipe Janning | Agência FAPESP – No momento da ferroada, a dor é lancinante. É como se, depois de acertar a vítima, a raia pressionasse a ponta do ferrão para que este penetre ainda mais no músculo humano.
Essas foram algumas das impressões que teve o pesquisador Thiago Loboda, que realiza pós-doutorado no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP), nos primeiros momentos após ser atingido por uma Potamotrygon motoro no pé direito.
A espécie é uma das mais comuns na Amazônia e, por isso, responsável por grande parte dos acidentes com esse animal. O caso ocorreu durante as coletas da Expedição DEGy Rio Negro, ocorrida em fevereiro e que percorreu o rio Negro e tributários em busca de peixes-elétricos e raias. Das seis espécies de raia que ocorrem na bacia do rio Negro, quatro foram coletadas, além de uma possível nova espécie. Loboda não capturou o animal que o feriu.
A expedição é parte do projeto “Diversidade e Evolução de Gymnotiformes” (DEGy), apoiado pela FAPESP, e os relatos fazem parte da nova edição da série Diário de Campo.
“Tive sorte. O animal era pequeno e, mesmo meu pé tendo sido atingido pelos dois ferrões, a sapatilha que eu usava evitou que eles penetrassem mais”, contou Loboda em abril, com o ferimento quase totalmente cicatrizado, de sua bancada no MZ-USP.
Estar em praias de rio é um risco constante de acidentes com raias, ainda mais na Amazônia. Das 34 espécies que ocorrem em água doce no Brasil, mais de 30 estão na bacia amazônica.
As raias ficam paradas e parcialmente enterradas na areia, onde se confundem com o fundo dos rios e igarapés (foto: André Julião/Agência FAPESP)
Em estudo que analisou notificações de acidentes com animais aquáticos num período de sete anos em todo o país, 66% dos casos ocorreram na região Norte, sendo 92% destes causados por raias.
“Esses são os casos notificados. Na maioria das vezes, porém, as pessoas atingidas vivem em locais isolados, sem acesso a atendimento médico, e os ferimentos se agravam, com necrose e infecções”, diz à Agência FAPESP Vidal Haddad Junior, professor da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (FMB-Unesp), que estuda acidentes com animais aquáticos há mais de 30 anos (leia mais em: agencia.fapesp.br/24178).
Mais do que o ferrão serrilhado das raias, o que agrava os acidentes é o veneno presente no muco que recobre essa arma natural. Além do veneno, ele tem ainda enzimas com propriedades proteolíticas, ou seja, que degradam as proteínas presentes nas células e tecidos humanos.
Um dos ferrões que feriram o pé do pesquisador. Recoberto de um muco venenoso e cheio de enzimas que degradam o tecido, causa fortes dores e necrose (foto: André Julião/Agência FAPESP)
O veneno tem efeito vasoconstritor, que estreita os vasos sanguíneos, causando muita dor ao dificultar a passagem do sangue. O mesmo efeito causa ainda necrose, com a morte do tecido por falta de irrigação.
Em estudo que acompanhou 84 pacientes no Sudeste e Centro-Oeste, onde esses acidentes também são recorrentes, Haddad documentou a ocorrência de necrose em 90% dos casos.
Atendimento rápido
Felizmente, depois do acidente ocorrido no rio Jauperi, no dia 22 de fevereiro, Loboda foi levado rapidamente para uma unidade básica de saúde no distrito de Moura, parte do município de Barcelos (AM). Na ocasião, foi atendido pela médica Sofia Prata Piña, por acaso, uma ex-aluna de Haddad Junior na FMB-Unesp, que apresentou o caso ao especialista por telefone.
“Mergulharam meu pé em água quente, fizeram uma lavagem intensa e tomei anestesia local e antibiótico injetáveis. Além disso, tomei outro antibiótico, por via oral, por uma semana. A dor estava controlada naquele momento, mas na hora é bem intensa”, relata Loboda.
São comuns relatos de 24 horas de dor. Embora cause grande morbidade, podendo provocar feridas que demoram até três meses para cicatrizar, não existe soro para o veneno de raia, que poderia reduzir a dor e diminuir as chances de necrose.
A prática de colocar o membro afetado em água quente por 30 a 90 minutos é uma das mais efetivas na redução da dor, segundo Haddad. Os antibióticos são necessários para evitar infecções por bactérias que adentram o tecido atingido.
Normalmente vivendo em locais sem atendimento médico, os pacientes recorrem a falsos tratamentos, bastante difundidos, que incluem chás de ervas, tabaco, urina e ovo cozido no local do ferimento. As práticas não possuem nenhuma eficácia comprovada e podem até mesmo piorar o quadro.
Durante a expedição, não faltaram relatos de acidentes tratados dessa forma. Numa praia no rio Preto, falou-se de três ou quatro acidentes ocorridos apenas no carnaval deste ano. O atendimento médico mais próximo era em Santa Isabel do Rio Negro. No transporte mais usado na região amazônica, a rabeta, uma canoa com um motor de baixa potência, a viagem durava um dia inteiro.
Acompanhe os outros episódios da série Diário de Campo – Rio Negro em: agencia.fapesp.br/diario-de-campo.
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