Equipe da Expedição DEGy Rio Negro, incluindo pesquisadores, tripulação e membros da Agência FAPESP (foto: Phelipe Janning/Agência FAPESP)
Último episódio da série de reportagens faz um balanço sobre a viagem de um grupo de pesquisadores do Museu de Zoologia da USP que, ao longo de duas semanas, percorreu os rios Negro, Preto e Jauaperi, nos Estados do Amazonas e de Roraima
Último episódio da série de reportagens faz um balanço sobre a viagem de um grupo de pesquisadores do Museu de Zoologia da USP que, ao longo de duas semanas, percorreu os rios Negro, Preto e Jauaperi, nos Estados do Amazonas e de Roraima
Equipe da Expedição DEGy Rio Negro, incluindo pesquisadores, tripulação e membros da Agência FAPESP (foto: Phelipe Janning/Agência FAPESP)
André Julião e Phelipe Janning | Agência FAPESP – Pelo menos 136 espécies de peixes foram coletadas durante as duas semanas da Expedição DEGy Rio Negro, que subiu o rio de Manaus até Santa Isabel do Rio Negro, passando pelos tributários Jauaperi e Preto. A Agência FAPESP acompanhou toda a viagem, ocorrida em fevereiro, que rendeu uma nova edição da série Diário de Campo.
Só de Gymnotiformes, os peixes-elétricos que dão nome ao projeto apoiado pela FAPESP no âmbito do qual ocorreu a expedição, foram 27 espécies.
Além desse grupo, foram reunidas durante a viagem pelo menos 48 espécies de caraciformes, como os lambaris; 40 de siluriformes, o grupo dos bagres; sete de ciclídeos, como o tucunaré; seis de raias (Potamotrygonidae) e nove de outras ordens. No entanto, esse número pode aumentar.
“O número pode estar subestimado, pois há uma grande quantidade de peixes da ordem Characiformes que não foram identificados no campo devido à dificuldade de diferenciar uma espécie de outra. É possível que cheguemos a algo como 150 espécies”, explica Osvaldo Oyakawa, técnico de apoio à pesquisa do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP), que coordenou as coletas.
Fora os lambaris, há pelo menos um indivíduo de peixe-elétrico e um de raia cuja identidade não está totalmente clara para os pesquisadores. As diferenças encontradas podem se tratar de variações dentro de espécies já descritas ou de novas espécies.
“Uma expedição sempre proporciona resultados importantes, tanto para o projeto em desenvolvimento quanto para os alunos de pós-graduação. Essa não foi exceção. Embora os peixes coletados ainda não tenham sido examinados em detalhe pelos pesquisadores, foi possível concluir que algumas espécies novas foram obtidas para enriquecer cientificamente os projetos em andamento”, avalia Naércio Menezes, professor do MZ-USP que coordena o projeto.
Um tipo de análise que poderá eliminar dúvidas é o sequenciamento genético. Para isso, os pesquisadores retiraram amostras de tecido, que foram preservadas em álcool e posteriormente terão o DNA extraído. Depois, alguns genes de interesse são amplificados e, por fim, sequenciados. Essa parte do trabalho será realizada em São Paulo e ainda não tem prazo definido.
Fim de tarde em igarapé que desagua no rio Jauaperi: corpos d’água como esse, mas também os grandes rios, foram amostrados pelos pesquisadores (foto: Phelipe Janning/Agência FAPESP)
Acelerando as descobertas
Durante a expedição, numa parceria com a empresa Bento Lab, Carlos David de Santana, pesquisador associado ao Museu Nacional de História Natural, da Smithsonian Institution, nos Estados Unidos, testou pela primeira vez na Amazônia um procedimento que pode acelerar esse processo.
Com o uso de um aparelho, os pesquisadores extraíram DNA e amplificaram genes de interesse ainda no campo. Esses são dois passos anteriores ao sequenciamento que identifica as espécies em nível molecular.
“Num contexto de rápida redução da biodiversidade como o que estamos vivendo, é urgente diminuir o tempo entre a coleta dos exemplares e a publicação dos resultados. Por isso, aparelhos como esse podem acelerar a descrição de novas espécies, levando do campo o material genético pronto para o sequenciamento em laboratório ou mesmo já sequenciado”, conta Santana.
O aparelho de fabricação britânica, com 3,5 quilos, cabe numa bolsa de laptop e é ligado numa tomada comum. Um dos segredos é realizar em menos passos o que faz o equipamento normalmente presente em laboratórios.
“Com o equipamento, é possível extrair DNA e amplificar os fragmentos que se quer estudar com a redução e otimização de passos que normalmente se faria em laboratório, diminuindo assim o tempo de procedimento em campo e no laboratório”, completa Laura Donin, doutoranda no MZ-USP que participou da expedição.
David de Santana e Laura Donin realizam extração de DNA e amplificação de genes a bordo do Comandante Gomes (foto: Phelipe Janning/Agência FAPESP)
O sequenciamento em campo seria possível com outro equipamento portátil, que, no entanto, não estava presente na expedição.
Santana acredita que, em poucos anos, aparelhos como esses estarão disponíveis a preços mais acessíveis a mais pessoas. Com isso, comunidades e universidades distantes dos grandes centros poderão fazer seus próprios levantamentos da biodiversidade local, incluindo dados genéticos.
“Com a internet por satélite se popularizando na Amazônia, esses dados poderiam ser transmitidos para qualquer lugar do mundo. Seria possível ampliar o conhecimento sobre as espécies em muito menos tempo, sem depender necessariamente de expedições custosas como essa”, diz Santana.
Coleta involuntária
A noite de 27 de fevereiro vai alta quando Oyakawa, o pescador Roberval Ribeiro e o mestrando Vinicius Cardoso embarcam na voadeira para o último arrasto de fundo da expedição, no rio Preto.
À noite, muitas espécies migram da calha para as margens dos rios, o que aumenta as chances de os pesquisadores coletá-las. A lancha segue devagar puxando a rede, quando alguns peixes simplesmente começam a pular dentro do barco.
“Provavelmente estavam escapando de um jacaré ou um boto e acabaram no barco”, explica Oyakawa, surpreso com a coleta involuntária. Um fecho e tanto para uma expedição de coleta de peixes.
Equipe durante último arrasto de fundo da expedição. Peixes pularam na embarcação (foto: Phelipe Janning/Agência FAPESP)
No dia seguinte, algumas redes deixadas na noite anterior são recolhidas e o barco Comandante Gomes segue rio abaixo, em direção a Barcelos, última parada antes de Manaus. A embarcação atraca no meio da manhã do dia 2 de março, um sábado, no Porto da Panair.
Um caminhão do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) aguarda a equipe, que rapidamente descarrega o material coletado e os equipamentos. Aos poucos, todos se distribuem em carros em direção aos hotéis onde ficarão hospedados no fim de semana. Na segunda-feira, todos estarão no Inpa, preparando o material para o envio para o Museu de Zoologia da USP. É o fim da Expedição DEGy Rio Negro.
“Os alunos passaram por uma experiência valiosa, pois se familiarizaram com métodos de coleta de espécimes e com os ambientes aquáticos peculiares da Amazônia. O esforço realizado por toda a equipe que participou da expedição foi regiamente recompensado pelos resultados obtidos”, encerra Menezes.
Roberval Ribeiro e Osvaldo Oyakawa conferem as últimas redes de espera antes do fim da expedição (foto: Phelipe Janning/Agência FAPESP)
Compartilhando os resultados
Diante da grande quantidade de registros realizados durante a expedição, a Agência FAPESP, o Laboratório de Ictiologia e a Divisão de Difusão Cultural do Museu de Zoologia da USP vão preparar uma exposição sobre a Expedição DEGy Rio Negro. A mostra temporária deve ser aberta no final de 2024.
“Este é mais um desdobramento dessa rica parceria entre MZ-USP e Agência FAPESP. Mesmo com término da série Diário de Campo, não precisamos (ainda) lamentar o fim de nossos trabalhos conjuntos”, diz Murilo Pastana, professor do MZ-USP.
Retrospectiva
Antes da Expedição DEGy Rio Negro começar de fato, a maior parte do material foi preparado no Museu de Zoologia da USP e embarcado no Aeroporto Internacional de Guarulhos. Outra parte dos equipamentos e insumos se distribuía entre o Inpa e a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) (leia mais em: agencia.fapesp.br/51085).
Com toda a equipe reunida, no dia 19 de fevereiro, a embarcação Comandante Gomes deixou o Porto da Panair, em Manaus, rumo ao rio Jauaperi. Neste tributário, a equipe fez as primeiras coletas. Naquele ponto da viagem, o objetivo principal era coletar exemplares de Iracema caiana, um peixe-elétrico coletado naquele local em 1968 e nunca mais visto na natureza. Não houve sucesso nessa empreitada em particular, talvez pela seca histórica vivida na região (leia mais em: agencia.fapesp.br/51153).
Mais conhecidos entre os peixes-elétricos, os poraquês vicejam no rio Preto. Em um igarapé apenas, existe um verdadeiro “condomínio” desses animais, que podem medir até 2,5 metros (leia mais em: agencia.fapesp.br/51223).
No entanto, os peixes-elétricos mais abundantes e que ocupam mais ambientes são os sarapós. Na expedição, foram 27 espécies coletadas durante duas semanas (leia mais em: agencia.fapesp.br/51278).
Toda expedição tem contratempos, mas mesmo um acidente com raia, que poderia ser grave, não atrapalhou o ritmo das coletas (leia mais em: agencia.fapesp.br/51367).
Em momentos difíceis como esse, os amigos e as memórias de outras expedições podem ser um antídoto. Na DEGy Rio Negro, quatro membros tinham muitas histórias para compartilhar do Calhamazon, projeto dos anos 1990 pioneiro na pesca de arrasto de fundo em rios, ideal para coletar peixes-elétricos (leia mais em: agencia.fapesp.br/51412).
Lua cheia no rio Negro: expedição se encerra com mais de 130 espécies coletadas, algumas possivelmente nunca descritas (foto: Phelipe Janning/Agência FAPESP)
Todos os episódios de Diário de Campo – Rio Negro podem ser conferidos em: agencia.fapesp.br/diario-de-campo.
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