A 15ª Conferência FAPESP 60 anos, que tratou do tema “As pesquisas sobre o racismo e seus desafios na sociedade contemporânea”, reuniu Eduardo Bonilla-Silva, professor da Duke University, e Márcia Lima, da USP (foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Escalada de violência racial convive com racismo sistêmico, mais sutil e silencioso, dizem especialistas
20 de outubro de 2022
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A 15ª Conferência FAPESP 60 anos, que tratou do tema “As pesquisas sobre o racismo e seus desafios na sociedade contemporânea”, reuniu Eduardo Bonilla-Silva, professor da Duke University, e Márcia Lima, da USP

Escalada de violência racial convive com racismo sistêmico, mais sutil e silencioso, dizem especialistas

A 15ª Conferência FAPESP 60 anos, que tratou do tema “As pesquisas sobre o racismo e seus desafios na sociedade contemporânea”, reuniu Eduardo Bonilla-Silva, professor da Duke University, e Márcia Lima, da USP

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A 15ª Conferência FAPESP 60 anos, que tratou do tema “As pesquisas sobre o racismo e seus desafios na sociedade contemporânea”, reuniu Eduardo Bonilla-Silva, professor da Duke University, e Márcia Lima, da USP (foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

 

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – O mundo estaria vivendo hoje uma espécie de “esquizofrenia racial”. Por um lado, ganham vulto manifestações muito cruas e violentas de racismo, que se expressam no discurso político, nas mensagens de ódio que circulam pelas mídias sociais e em comportamentos individuais extremamente agressivos. Por outro lado, existe um racismo sistêmico, muito mais silencioso, sutil e difícil de identificar, que atravessa todas as instâncias da vida social e se oculta sob a máscara da “democracia racial”. Por vivermos em sociedades estruturalmente racistas, somos todos “racializados”.

Esta foi, em resumo, a principal afirmação feita ontem (19/10) pelo sociólogo Eduardo Bonilla-Silva na 15ª Conferência FAPESP 60 anos, que tratou do tema “As pesquisas sobre o racismo e seus desafios na sociedade contemporânea”.

Professor de sociologia na Duke University, nos Estados Unidos, Bonilla-Silva foi presidente da American Sociological Association e é o autor do livro Racismo sem racistas – O racismo da cegueira de cor e a persistência da desigualdade na América (Editora Perspectiva, 2020).

A outra conferencista do evento, a socióloga Márcia Lima, ressaltou o caráter episódico da legislação racial brasileira. Bastante rigorosa no tratamento da manifestação extremada de racismo, do ato singular, a lei não contemplaria, porém, o racismo sistêmico ou estrutural que se expressa de incontáveis maneiras.

Lima é professora do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e pesquisadora associada ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), onde coordena o Núcleo de Pesquisa e Formação em Raça, Gênero e Justiça Racial (Núcleo Afro).

Bonilla-Silva explicou o “racismo sistêmico” ou “racismo estrutural” – conceito que se aplica a sociedades nas quais as recompensas econômicas, sociais e até mesmo psicológicas são fortemente proporcionadas pela raça, favorecendo a raça branca dominante e desfavorecendo as raças subordinadas.

Conforme detalhou o sociólogo, de origem porto-riquenha, o racismo sistêmico é histórico (ligado, entre outros, ao fenômeno da escravidão), estrutural (influenciando os mecanismos e práticas sociais), coletivo (no qual todos participam, quer tenham consciência disso ou não) e possui uma base material (reproduzindo-se porque proporciona vantagens à raça dominante, enquanto as raças subordinadas são sistematicamente prejudicadas). “É no comportamento cotidiano mundano, normativo, expressivo dos hábitos brancos que podemos ver os mecanismos do racismo”, disse.

Segundo Bonilla-Silva, depois das conquistas obtidas pelos movimentos pelos direitos civis, cristalizou-se, nos Estados Unidos, durante o final dos anos 1960 e início da década de 1970, um “novo racismo”, que é um agregado de práticas sutis e aparentemente “além das raças” que ajuda a manter os privilégios dos brancos e as desvantagens dos não brancos.

O sociólogo deu vários exemplos dessas práticas nas pequenas ações da vida cotidiana, como o tratamento diferenciado para brancos e não brancos nas lojas de departamentos, nos restaurantes, na compra e venda de imóveis no mercado imobiliário. “Por racismo da cegueira de cor eu denomino a ideologia racial dominante pós-direitos civis, ancorada em uma abstrata e descontextualizada extensão dos princípios do liberalismo, que fornece explicações aparentemente não raciais para toda sorte de assuntos relacionados a raça”, afirmou.

Lima desenvolveu esse tema no contexto brasileiro, lembrando a afirmação do sociólogo Antonio Sérgio Guimarães, professor titular sênior do Departamento de Sociologia da FFLCH-USP, de que o racismo é um tabu no Brasil. “O racismo sempre foi tratado aqui como episódico”, falou. E citou, como exemplo, a famosa frase, inúmeras vezes repetida, de que “o Brasil não tem racismo porque, no Brasil, o dinheiro embranquece” – frase que é, ela mesma, uma expressão escandalosa do racismo sistêmico ou racismo da cegueira de cor debatido na conferência.

A socióloga, que acumula um vasto corpo de pesquisa enfocando a conexão entre desigualdade racial e desigualdade social, tratou, na segunda parte de sua apresentação, dos desafios que a pesquisa em racismo apresenta no Brasil. “Trata-se de investigar o fenômeno em uma sociedade que tem como marca ou herança a sua negação”, enfatizou. E prosseguiu sua exposição considerando três níveis de manifestação do racismo, estrutural, institucional e cotidiano, e suas respectivas linhas de pesquisa.

A 15ª Conferência FAPESP 60 anos foi aberta pelo professor Luiz Eugênio Mello, diretor científico da FAPESP, que ressaltou a diferença entre opinião e evidência e o papel das evidências na construção do conhecimento científico. A moderação do evento foi feita por Angela Alonso, professora titular do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (2019), pesquisadora do Cebrap e coordenadora adjunta de Ciências Humanas e Sociais, Arquitetura, Economia e Administração da FAPESP.

Alonso lembrou que perto de 6 milhões de africanos foram trazidos como escravos para o Brasil, que o tráfico só acabou por pressão externa, que o movimento pelo fim da escravidão envolveu mais de 300 associações e organizou mais de 2 mil eventos de protesto pelo país e se prolongou por mais de duas décadas.

“Foi somente sob ameaça de guerra civil que setores das elites concordaram com o fim da escravidão em 1888. Mas o resultado desse compromisso foi uma lei curtíssima, que estabeleceu o fim da escravidão sem dizer como seria feito, nem qual o destino dos ex-escravizados. Desse modo, o Império legou à República, e os governos republicanos foram legando uns aos outros a desigualdade racial. A população afrodescendente vive até hoje uma situação pior do que a dos brancos por qualquer métrica que se utilize”, pontuou a moderadora.

O evento pode ser assistido na íntegra no canal da Agência FAPESP no YouTube.

Para informações sobre as conferências anteriores acesse: 60anos.fapesp.br/conferencias.
 

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