Estudo realizado por pesquisadores brasileiros e sul-africanos é o primeiro a provar, por meio de ferramenta de análise de grafos, que os relatos de sonhos ocorridos durante o estágio de sono REM tendem a ser mais complexos e conectados que os do sono não REM (imagem: Stefan Keller/Pixabay)
Estudo realizado por pesquisadores brasileiros e sul-africanos é o primeiro a provar, por meio de ferramenta de análise de grafos, que os relatos de sonhos ocorridos durante o estágio de sono REM tendem a ser mais complexos e conectados que os do sono não REM
Estudo realizado por pesquisadores brasileiros e sul-africanos é o primeiro a provar, por meio de ferramenta de análise de grafos, que os relatos de sonhos ocorridos durante o estágio de sono REM tendem a ser mais complexos e conectados que os do sono não REM
Estudo realizado por pesquisadores brasileiros e sul-africanos é o primeiro a provar, por meio de ferramenta de análise de grafos, que os relatos de sonhos ocorridos durante o estágio de sono REM tendem a ser mais complexos e conectados que os do sono não REM (imagem: Stefan Keller/Pixabay)
Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Há sonhos que, de tão vívidos, podem ser relatados como se fossem um roteiro cinematográfico: cheio de conexões, com começo, meio e fim. Outros, no entanto, se assemelham aos gifs do WhatsApp ou, no máximo, a um roteiro de vídeo curto, ao estilo da rede social chinesa TikTok. Embora possam ser impactantes e repletos de significados, apresentam estrutura muito mais simples que a descrição onírica do tipo “longa-metragem”.
A analogia sobre as diferentes formas de relato de sonhos é da neurocientista Natalia Mota. A pesquisadora do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) é uma das autoras do estudo publicado na PLOS One, que confirmou que os relatos de sonhos ocorridos durante o estágio de sono REM tendem a ser mais complexos e conectados que os do sono não REM.
Vale lembrar que o sono é dividido basicamente em quatro estágios. Os dois primeiros (N1 e N2) ocorrem quando a pessoa está saindo do estado de vigília e geralmente tem sonhos curtos, embora muitas vezes intensos para a transição do sono. O estágio seguinte é o chamado sono de ondas lentas (N3), em que praticamente não há sonho algum. Já no estágio N4 – também conhecido como sono REM, que se caracteriza pelos movimentos repetitivos dos olhos –, o sonho tende a ser mais expressivo, com conexões e princípio, meio e fim.
“Já existe todo um conhecimento sobre a ciência dos sonhos a partir de ferramentas objetivas em que julgadores humanos eram treinados para ler relatos oníricos e avaliar quão complexos, bizarros ou conectados eles eram. Sabe-se que os sonhos do sono REM são mais longos e, inclusive, mais parecidos com filmes. Automatizar esse processo de análise, como fizemos no estudo, permitiu pela primeira vez fazer uma avaliação quantitativa dessa diferença estrutural. Desenvolvemos uma ferramenta que é capaz de analisar um volume grande de dados de modo rápido, sem vieses subjetivos ou até de linguagem, pois pode ser utilizada em qualquer idioma”, diz o neurocientista Sidarta Ribeiro, que integra o Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão em Neuromatemática (NeuroMat), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela FAPESP na Universidade de São Paulo (USP).
No estudo, os pesquisadores analisaram os relatos oníricos, palavra por palavra, utilizando a teoria dos grafos – campo da matemática que estuda as relações entre os objetos de um determinado conjunto.
“Não se trata de uma análise semântica, de significado das palavras. Não estamos lidando com o que foi dito, mas com a maneira como foi dito. Isso permite uma infinidade de análises futuras sobre compreensão do sonho em diferentes culturas e países”, afirma Mota.
Por meio da teoria dos grafos, os pesquisadores analisaram 133 relatos de sonhos obtidos de 20 voluntários, que foram despertados em diferentes fases do sono, principalmente nos estágios REM, onde ocorre maior registro de sonhos, e no N2 (não REM), que não produz tantos relatos oníricos.
Acordados, os participantes do estudo relataram os sonhos e os arquivos de áudio foram analisados palavra a palavra pelo método de análise dos grafos.
“Este é o primeiro estudo a demonstrar por meio da teoria dos grafos que os relatos de sonhos REM possuem uma conexão estrutural maior em comparação com os do sono não REM (N2). Ao analisar os grafos, sonhos mais complexos estão associados a maior conectividade e a estruturas de gráfico menos aleatórias. Sem descartar a importância dos métodos tradicionais de análise, esses resultados são importantes, pois indicam que métodos computacionais podem ser aplicados aos estudos do estado onírico”, diz Joshua Martin, primeiro autor do artigo que realizou o estudo como dissertação de mestrado defendida junto ao programa de Psicobiologia da UFRN.
O estudo de Martin foi orientado por Ribeiro e Mark Solms – pesquisador da Universidade da Cidade do Cabo (África do Sul) e o primeiro a demonstrar, em estudos anteriores, que o sonho não ocorre apenas no sono REM.
“Até o início do século 21, havia a premissa de que o sonho ocorre apenas no sono REM, que nem era preciso estudar sonhos: estudava-se o sono REM e pronto. Hoje já se sabe que sonhamos durante a noite tanto nos estágios REM quanto nos não REM, embora em graus variáveis”, observa Ribeiro.
Um dado importante do estudo é que, por se tratar de uma colaboração internacional, os relatos foram colhidos de voluntários na África do Sul e analisados no Brasil, o que reforça essa o caráter global de aplicação da ferramenta para estudos sobre sonhos.
“Os resultados apontam que a ferramenta consegue identificar essa diferença de complexidade entre as fases do sono em termos de qualidade dos sonhos. Não são diferenças que dependam do significado, trata-se de diferenças na forma como a pessoa se comunica. Isso é extremamente importante para sairmos do viés do idioma”, explica Mota.
A pesquisadora explica que a variação está na organização da fala. “O que nos leva para um questionamento que vai além do significado das palavras. Por mais que o sonho seja bizarro, que tenha conteúdos ou não, o que importa é a maneira como o indivíduo organiza essa memória e a relata. O que vimos é que a forma como o sujeito conta um sonho de sono REM é muito mais complexa e mais cheia de informações conectadas”, afirma.
Os pesquisadores afirmam que a ferramenta surge como uma alternativa promissora para ampliar o conhecimento que temos sobre os sonhos. “Ela pode ser muito útil para uma análise ampla de relatos de sonhos em todo o mundo, como, por exemplo, os do repositório on-line Dream Bank, que atualmente contém mais de 20 mil relatos”, diz Martin.
O artigo Structural differences between REM and non-REM dream reports assessed by graph analysis (doi: 10.1371/journal.pone.0228903), de Joshua M. Martin, Danyal Wainstein Andriano, Natalia B. Mota, Sergio A. Mota-Rolim, John Fontenele Araújo, Mark Solms e Sidarta Ribeiro, pode ser lido em https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0228903.
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