Microplásticos separados em amostra de sedimento na represa de Guarapiranga, na Região Metropolitana de São Paulo. É possível observar diferenças de tamanho entre as partículas (foto: Cristiano R. Gerolin/Unifesp)
Em artigo, pesquisadores da Unifesp defendem que, além da quantidade, sejam investigados o tamanho e a forma das partículas presentes nas amostras – fatores que influenciam os efeitos do poluente nos diversos ecossistemas
Em artigo, pesquisadores da Unifesp defendem que, além da quantidade, sejam investigados o tamanho e a forma das partículas presentes nas amostras – fatores que influenciam os efeitos do poluente nos diversos ecossistemas
Microplásticos separados em amostra de sedimento na represa de Guarapiranga, na Região Metropolitana de São Paulo. É possível observar diferenças de tamanho entre as partículas (foto: Cristiano R. Gerolin/Unifesp)
Luciana Constantino | Agência FAPESP – Considerada um dos desafios ambientais de crescimento mais rápido no mundo, a poluição por plásticos entrou com mais força na agenda científica na última década. Essas pesquisas avançaram, mas ainda enfrentam uma série de desafios, como a comparabilidade de resultados, principalmente quando se trata de microplásticos.
Não há, por exemplo, uma padronização metodológica para coleta e análise das amostras. A maioria dos estudos traz conclusões com base no número de partículas como se fossem ambientalmente equivalentes, independentemente de seu tamanho, volume, massa ou área de superfície. Visando contribuir com o avanço desse debate, um trio de pesquisadores brasileiros publicou um artigo na revista Environmental Science and Pollution Research propondo um novo olhar.
Usando uma abordagem teórica, os cientistas defendem que a inclusão desses atributos morfológicos nos itens analisados pode revelar diferenças significativas nas apurações das amostras de microplásticos. Inicialmente vistas como equivalentes, pelo número de partículas, elas seriam, na verdade, diferentes em tamanho ou volume, causando impactos e poluição de formas diversas ao meio ambiente.
Os microplásticos (MPs) são polímeros artificiais entre 0,001 e 5 milímetros de comprimento (ou entre 1 e 5 mil micrômetros - μm) encontrados em todos os tipos de ambientes. No Brasil, ainda há poucos estudos publicados sobre poluição por MPs, especialmente em áreas aquáticas continentais.
“A maior parte dos trabalhos sobre microplásticos reporta o número de partículas pela unidade da amostra adotada, podendo ser volume, em caso de água; massa, quando a análise envolve solo e sedimento; ou indivíduo, ao tratar de biota. Trabalhamos com microplásticos em laboratório há alguns anos e vimos que o tamanho é importante sim e faz diferença. Passamos a medir o tamanho das partículas das nossas amostras. Detectamos que havia algumas amostras com número parecido de partículas de MPs, mas, como os tamanhos dessas partículas eram bastante variáveis entre si, percebemos que tais amostras tinham níveis de poluição plástica bastante diferentes ao estimar a massa e o volume dos MPs”, explica à Agência FAPESP o professor do Departamento de Ciências Ambientais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Décio Semensatto, autor correspondente do artigo.
Ele assina o trabalho juntamente com a professora Geórgia Labuto e com Cristiano Gerolin, ambos da Unifesp.
O pesquisador diz que seu grupo está finalizando um artigo sobre a represa de Guarapiranga, um reservatório para abastecimento de água na divisa entre os municípios de São Paulo, Itapecerica da Serra e Embu-Guaçu. “Coletamos amostras nas estações chuvosa e de seca. Percebemos que uma estação tem mais plástico do que outra em número de partículas, mas a diferença é ainda maior quando avaliamos a massa e o volume total de plástico em cada amostra. Usar apenas o parâmetro do número de partículas é expressar uma dimensão restrita dessa questão e ignorar que partículas de tamanhos diferentes provocam efeitos também diversos nos ecossistemas”, afirma.
Semensatto recebe apoio da FAPESP por meio do projeto Microplásticos em água e sedimentos no estuário do Rio Amazonas, no qual os cientistas estão abordando a presença de MPs no baixo estuário do rio e o papel deles como vetores de metais em ambientes aquáticos. Estão sendo analisadas 52 amostras de água e 12 de sedimento, coletadas entre dezembro de 2021 e julho de 2022 nos arredores de Macapá (AP).
As comparações
No artigo agora publicado, os pesquisadores utilizaram sete amostras com cem partículas de microplásticos, o que as tornariam equivalentes, ou seja, no mesmo nível de poluição. No entanto, ao fazer as comparações, apontam as diferenças.
Em uma das amostras, por exemplo, os MPs eram maiores em volume, massa e área de superfície específica, consequentemente apresentando mais plástico do que as outras. E ainda mais suscetível de originar um maior número de partes menores por danos causados pela degradação física e química.
Em outra comparação, usaram amostras com cem e dez partículas de microplásticos, respectivamente. O resultado: se apenas o número de partículas fosse considerado, a conclusão seria de que a primeira tem dez vezes mais plástico do que a segunda. No entanto, ambas apresentaram a mesma massa global e volume de plástico, mas o tamanho da partícula e a área de superfície específica eram maiores na primeira.
Outro ponto destacado pelo grupo é a forma da partícula dos microplásticos, que pode ter influência sobre os atributos morfológicos. Amostras com fibras resultaram em menor volume, massa e área de superfície do que outras formas.
“Exploramos nesse artigo também um dado sobre a área superficial específica, muito relevante principalmente quando se estuda o microplástico como transportador de outros poluentes, entre eles metais ou fármacos. O tamanho da partícula vai interferir na área superficial específica disponível para adsorção desses poluentes. Além disso, os plásticos também servem como substrato para organismos, o que chamamos de plastisfera, e podem atuar como dispersores desses organismos para outros ambientes, com consequências no campo da saúde global”, completa Semensatto.
O termo vem do inglês plastisphere, usado para se referir a comunidades que evoluíram para viver em ambientes plásticos feitos pelo homem. Esse ecossistema é diversificado, incluindo fungos, bactérias, algas e vírus.
“Entendendo o volume das partículas, a massa delas, a área superficial específica, podemos compreender melhor o contexto do microplástico como poluente e transportador de outros agentes responsáveis por poluição, inclusive microrganismos. Quando incorporamos outros atributos às amostras, vemos novas possibilidades e ampliamos a comparabilidade entre os resultados”, diz.
Cenário
A produção global de plástico subiu de 2 milhões de toneladas em 1950 para 348 milhões em 2017, tornando-se uma indústria avaliada em US$ 522,6 bilhões. Estima-se que esse número vá duplicar até 2040, segundo relatório da organização não governamental Pew Charitable Trusts feito em parceria com as universidades Oxford e Leeds (no Reino Unido), além de outras entidades.
Os impactos da produção do plástico e da poluição derivada desse material envolvem desde danos à saúde humana até o aumento das emissões de gases de efeito estufa e os riscos de ingestão e acidentes para mais de 800 espécies marinhas e costeiras, já que aproximadamente 11 milhões de toneladas de resíduos plásticos entram nos oceanos anualmente.
Em 2022, 175 nações reunidas na Assembleia das Nações Unidas (ONU) para o Meio Ambiente aprovaram uma resolução histórica que visa estabelecer um acordo internacional juridicamente vinculante até 2024 para acabar com a poluição global por plásticos. Foi criado também um Comitê Intergovernamental de Negociação, cuja primeira reunião terminou em 2 de dezembro.
“Esse trabalho pretende contribuir com o esforço da academia de definir rotinas e aspectos metodológicos de uma forma cada vez mais precisa. Nosso artigo propõe um debate para a comunidade acadêmica. É uma proposta que está aberta a outros olhares. Convidamos cientistas a também medir as partículas e relatar todos os atributos morfológicos para estimular o debate sobre seu significado ambiental”, conclui Semensatto.
Nesse contexto, um grupo da Unifesp ligado ao pesquisador está trabalhando juntamente com a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) para definir protocolos de coleta e processamento de análise de amostras de água da região costeira do Estado com foco em microplásticos.
A ideia é buscar uma forma de comparar os resultados para, talvez no futuro, introduzir o microplástico no monitoramento ambiental de forma contínua, o que ainda não existe em São Paulo. Esse projeto está sendo desenvolvido no âmbito da Rede Hydropoll, que reúne pesquisadores de várias instituições que atuam em torno da poluição de recursos hídricos.
O artigo The importance of integrating morphological attributes of microplastics: a theoretical discussion to assess environmental impacts pode ser lido em: https://link.springer.com/article/10.1007/s11356-022-24567-4.
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