Produção de etanol utiliza melaço de cana no cultivo da levedura Saccharomyces cerevisiae para a fase de fermentação. Pesquisadores obtiveram o primeiro melaço sintético totalmente conhecido e reproduzível, que pode ser usado também para outros processos industriais (foto: Thiago Basso)
Produto abrirá caminho para que se possa desenvolver novos processos industriais baseados no uso do melaço de cana-de-açúcar. O teste foi feito como meio de cultivo de leveduras para produção de etanol
Produto abrirá caminho para que se possa desenvolver novos processos industriais baseados no uso do melaço de cana-de-açúcar. O teste foi feito como meio de cultivo de leveduras para produção de etanol
Produção de etanol utiliza melaço de cana no cultivo da levedura Saccharomyces cerevisiae para a fase de fermentação. Pesquisadores obtiveram o primeiro melaço sintético totalmente conhecido e reproduzível, que pode ser usado também para outros processos industriais (foto: Thiago Basso)
Ricardo Muniz | Agência FAPESP – Melaços naturais têm composições variáveis e que não são inteiramente conhecidas, o que é um empecilho não só para a pesquisa científica como também para a indústria, pois são utilizados em vários processos. Um deles é a produção de etanol, sendo o meio de cultivo da levedura Saccharomyces cerevisiae para a fermentação.
Um grupo de cientistas brasileiros e europeus conseguiu formular um melaço sintético com composição inteiramente conhecida e, assim, passível de ser reproduzido. A pesquisa recebeu financiamento da FAPESP (projetos 18/17172-2, 21/13701-3, 19/08393-8 e 15/50684-9) e foi publicada na revista Scientific Reports.
“O objetivo principal era encontrar uma fórmula que permitisse cultivar leveduras com comportamento o mais próximo possível daquele observado quando a mesma levedura é cultivada num melaço industrial real”, explica Thiago Basso, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e orientador de Kevy Eliodório e Gabriel Cunha, outros autores envolvidos na publicação.
A ideia era levar ao laboratório o processo industrial de produção de etanol, reproduzindo as características do melaço de cana como meio de cultura da levedura de forma que todos os componentes e quantidades pudessem ser determinados. O melaço, ressaltam, é um meio de cultura complexo e com alta variabilidade composicional.
“O melaço sintético que obtivemos, padronizado, permite que pesquisadores em diversas partes do mundo possam testá-lo como meio de cultura para os microrganismos que estejam estudando. Além disso, resultados obtidos em diferentes laboratórios serão mais facilmente comparados uns aos outros, um aspecto importante para a ciência”, diz Eliodório. Ele exemplifica citando que a formulação foi testada na Alemanha, no Helmholtz Centre for Environmental Research, durante estágio no exterior feito durante seu doutorado.
Além da vantagem logística de que centros de pesquisa em qualquer parte do mundo usem essa formulação no desenvolvimento de bioprocessos, o meio de cultura laboratorial permite o estudo da influência de cada componente, por meio do ajuste da concentração de cada um, separadamente. “Essa é uma vantagem obtida neste trabalho. A possibilidade de ajuste dos componentes pode, entre outras coisas, permitir o estudo do efeito causado por inibidores de crescimento e por diferentes componentes nutricionais, além de abrir portas para uma análise de fluxos metabólicos quantitativa, entre outras coisas”, destaca Basso.
A metodologia aplicada teve como base uma junção entre dados reportados na literatura e trabalhos anteriores de Basso, que já havia obtido a formulação de um melaço sintético, mas sem que sua composição estivesse 100% definida devido à presença da substância peptona, cuja composição não é totalmente controlável nem inteiramente conhecida.
Usando os dados de amostras reais, literatura e a composição prévia, ajustes sistemáticos foram feitos. “Cada novo ajuste era avaliado por meio de testes de crescimento de levedura, até que chegamos a uma composição que levou a um comportamento da levedura semelhante ao observado em melaços reais”, explica Eliodório.
Elementos analisados separadamente
Todos os componentes foram divididos em grupos nutricionais específicos (sais, ácidos orgânicos, vitaminas, elementos-traço, açúcares e outros) e analisados separadamente. Nessa etapa, a pesquisa buscou não só desenvolver uma composição, mas também apresentar uma caracterização daquilo que mais influenciava o comportamento das leveduras. O melaço natural contém grandes quantidades de açúcares fermentáveis e outros nutrientes. Vários compostos, incluindo fatores de crescimento, macro e micronutrientes, variam dependendo do tipo de cana, solo, clima e condições de processamento. Além disso, alguns compostos gerados durante o processamento da cana podem inibir o desempenho da levedura, afetando a produção de etanol.
A etapa de validação mostrou resultados muito satisfatórios. “Adicionalmente, nós também demonstramos que um meio de cultivo clássico utilizado para leveduras (YPS, extrato de levedura, peptona e sacarose) não permite tal comparação fisiológica, por gerar valores distintos nessas características. Dessa forma, nosso meio consegue mimetizar os melaços reais de uma maneira muito apropriada, apresentando vantagens interessantes no dia a dia de trabalho e também na pesquisa científica”, exalta Basso.
O resultado da pesquisa traz flexibilidade para o preparo do melaço sintético por permitir o ajuste das proporções dos diferentes grupos nutricionais, até porque um dos pontos que intrigavam o grupo era a influência do nitrogênio na fermentação. “Diz-se que a baixa concentração desse elemento faz com que a produção de etanol seja mais elevada. Foi mostrado nesses experimentos com concentrações ajustadas que, de fato, isso acontece”, apontam os pesquisadores.
“Acreditamos que o melaço sintético desenvolvido nesse trabalho abrirá caminho para que pesquisadores em diversas partes do mundo possam desenvolver novos bioprocessos baseados no uso do melaço de cana-de-açúcar, uma das matérias-primas mais importantes na biotecnologia industrial”, completa Basso.
A pesquisa também contou com Reinaldo Giudici, professor da Poli-USP, e Andreas Gombert, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A equipe europeia foi composta por Morten Sommer, professor da Technical University of Denmark, e Felipe Lino, cofundador da startup Nosh.bio GmbH.
O artigo Physiology of Saccharomyces cerevisiae during growth on industrial sugar cane molasses can be reproduced in a tailor-made defined synthetic medium pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41598-023-37618-8.
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