Crise de interesse pela atividade científica demanda modelos alternativos de formação de recursos humanos

Tema foi levantado por Marco Antonio Zago, presidente da FAPESP, durante a abertura da Escola São Paulo de Ciência Avançada Bicentenário da Independência. Evento foi inaugurado na segunda-feira (06/02) e segue no Museu Paulista até 15 de fevereiro

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Oitenta e cinco pós-graduandos do Brasil e do exterior estão reunidos no Museu Paulista da Universidade de São Paulo (USP) para analisar o impacto do processo de Independência do Brasil nas políticas regionais e nas relações internacionais. O encontro é realizado no âmbito da Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA) Bicentenário da Independência, com apoio da FAPESP.

Esses jovens pesquisadores, selecionados entre 344 candidatos inscritos, são provenientes de 16 países da América Latina, Europa e Ásia. Eles terão a oportunidade de debater o tema em pauta com o brasilianista Anthony Pereira, professor do Brazil Institute no King’s College London (Inglaterra); o escritor Daniel Munduruku, presidente da instituição indigenista Instituto Uka; o historiador especialista em América Latina Daniel Rojas, do Grenoble Alpes University (França); o cientista político Gerardo Caetano, da Universidad de la República (Uruguai); e os embaixadores Rubens Ricupero, Carlos Henrique Cardim e Synesio Sampaio Goes Filho, além de historiadores e cientistas políticos de diversas instituições brasileiras.

As ESPCA são um modelo acadêmico alternativo de formação de recursos humanos, que enfoca um tema em profundidade a partir de diferentes perspectivas e estimula o protagonismo dos estudantes como participantes ativos da pesquisa. Respondem, assim, a um desafio que cresceu durante a pandemia.

“A crise de formação de recursos humanos qualificados, em especial de novos pesquisadores, vem-se anunciando há alguns anos, mas foi precipitada pela pandemia. Há sinais irrefutáveis de uma queda de interesse das novas gerações em relação à carreira científica e acadêmica”, afirmou o presidente da FAPESP, Marco Antonio Zago, na última segunda-feira (06/02), durante a cerimônia de abertura do evento.

“Contrariando nossa expectativa, a queda observada durante a pandemia persistiu após a recuperação da sociedade”, disse Zago.

De acordo com o presidente da FAPESP, indicadores desse novo cenário são, por exemplo, as quedas persistentes de demandas de auxílio para a FAPESP, da ordem de 30%, incluindo de novas bolsas; a queda de procura e matrículas nos cursos de pós-graduação; a queda de 40% das matrículas de graduação em engenharia no setor privado.

“Trata-se de um fenômeno mundial que atinge o Brasil de forma particularmente severa, porque, a par das mudanças globais, o ensino superior e a ciência e tecnologia receberam tratamento muito adverso por parte do governo federal”, prosseguiu Zago, referindo-se ao quadriênio compreendido entre 1º de janeiro de 2019 e 1º de janeiro de 2023.

Em sua avaliação, porém, seria ingênuo atribuir todo o problema aos efeitos negativos das restrições orçamentárias e de autonomia das instituições federais. “Há uma mudança intrínseca da sociedade, entre os jovens, que as universidades, os institutos de pesquisa e as agências de fomento têm que absorver e entender”, disse.

Novas perspectivas

De acordo com o vice-diretor da instituição, Amâncio Jorge de Oliveira, os 85 jovens selecionados para a escola terão acesso a especialistas que projetam um olhar crítico sobre o processo de independência política formal do Brasil, procurando captar suas dimensões mais profundas, para além das construções ideológicas ufanistas. E incluir no quadro segmentos sociais que foram sistematicamente negligenciados pela história oficial, como os povos originários e os escravizados.

Como enfatizou Vahan Agopyan, secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo, tudo isso seria impossível sem a sólida retaguarda financeira da FAPESP, que há 60 anos apoia de maneira estável a pesquisa acadêmica e científica. “Todos os governadores de São Paulo nesse período, sem exceção, cumpriram a determinação constitucional de repassar 1% da arrecadação do Estado para a FAPESP.”

Agopyan destacou que poucos países se beneficiaram ou se beneficiam de uma situação semelhante. “Pela Constituição Paulista, a Fundação de Amparo à Pesquisa recebe 1% dos recursos que o Estado recolhe por meio de impostos. E isso permite que possamos ter não apenas apoio a bolsas, ou à promoção de eventos, como esta escola avançada, mas também a garantia do prosseguimento de pesquisas, algumas de grande monta, que a FAPESP, com todo o seu rigor, seleciona e mantém.”

Na sequência das falas, o atual reitor da USP, Carlos Gilberto Carlotti Júnior, afirmou que, “infelizmente, a reinauguração do Museu Paulista foi o maior evento na comemoração do bicentenário da Independência”, referindo-se ao descaso do governo federal anterior por este e outros temas. “Mas, felizmente, mostramos que a universidade está fazendo a sua parte”, arrematou, informando que o Museu Paulista – popularmente conhecido como Museu do Ipiranga – é um dos quatro museus institucionais, com atividades de ensino e pesquisa, mantidos pela USP.

As novas características da construção já foram objeto de reportagem da Agência FAPESP (leia mais em: agencia.fapesp.br/39512/).

No evento, a diretora do museu, Rosaria Ono, recordou os desafios enfrentados para a realização da reforma, iniciada efetivamente em 2019, na gestão de Agopyan na Reitoria da USP, mas que deve ser recuada até 2014, se forem consideradas todas as etapas preparatórias, definidas e implementadas pelo então reitor, Marco Antonio Zago.

Mais informações em: https://espca.fapesp.br/escola/escola_sao_paulo_de_ciencia_avancada_bicentenario_da_independencia/111/.