Estima-se que de 5% a 10% da população mundial tenha alguma doença rara (imagem: Vecteezy*)
Ao analisar dados de 115 crianças com condições consideradas sindrômicas, ou seja, em que há vários sintomas associados, pesquisadores da USP observaram alta incidência de alterações genéticas sobrepostas. Segundo os autores, a identificação das mutações permite uma abordagem terapêutica mais precisa
Ao analisar dados de 115 crianças com condições consideradas sindrômicas, ou seja, em que há vários sintomas associados, pesquisadores da USP observaram alta incidência de alterações genéticas sobrepostas. Segundo os autores, a identificação das mutações permite uma abordagem terapêutica mais precisa
Estima-se que de 5% a 10% da população mundial tenha alguma doença rara (imagem: Vecteezy*)
Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Em artigo publicado este mês no The Journal of Pediatrics, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) descrevem o caso de um menino de 9 anos que chegou ao hospital com uma ampla variedade de sintomas e condições que embaralharam o diagnóstico: baixa estatura, formação incompleta do esmalte dentário (hipoplasia), deficiência intelectual moderada, atraso da fala, asma, histórico de infecções recorrentes na primeira infância e níveis levemente alterados da glicemia.
Por meio de uma estratégia conhecida como sequenciamento do exoma – na qual apenas a parte do genoma que codifica proteínas é analisada – a equipe de saúde identificou mutações em dois genes: o GCK e o BCL11B. Desse modo, o garoto foi diagnosticado com diabetes monogênico e síndrome de anormalidades de células T, duas doenças raras. A descoberta da causa exata do problema e a constatação de uma alteração glicêmica transformaram significativamente a conduta terapêutica.
Esse é um dos seis casos de distúrbio de crescimento sindrômico com diagnósticos genéticos múltiplos (duas ou mais condições genéticas distintas no mesmo paciente) descritos no estudo, conduzido por pesquisadores da Faculdade de Medicina (FM-USP) com apoio da FAPESP.
“Essas tecnologias têm se mostrado ferramentas úteis para reduzir o que chamamos de odisseia diagnóstica – casos em que os pacientes passam muitos anos sem conseguir saber exatamente o que têm. Há dez anos, o custo de um sequenciamento de exoma era cerca de R$ 10 mil na rede privada de saúde. Hoje esse valor caiu para R$ 4 mil. É claro que ainda é um teste caro, mas se mostra essencial para o diagnóstico e o tratamento precisos”, avalia Alexander Augusto de Lima Jorge, um dos autores principais do artigo.
Durante o trabalho, a equipe sequenciou o exoma de 115 indivíduos com distúrbios do crescimento sindrômico de causa não estabelecida. Dos 63 que obtiveram um diagnóstico a partir da análise genética, 9,5% – uma proporção muito mais alta que a encontrada em estudos anteriores – apresentavam diagnóstico múltiplo.
“São casos em que ocorrem duas ou mais condições raras monogênicas na mesma pessoa. Isso torna a obtenção do diagnóstico muito difícil, principalmente se ele for feito apenas com base na avaliação clínica. O achado mostra a necessidade de usar testes genéticos amplos, com sequenciamento completo do exoma ou do genoma, para esses pacientes. Só assim é possível identificar as doenças raras que explicam quadros tão diversos”, complementa Lima Jorge.
Segundo o pesquisador, por existir um número muito elevado de doenças raras – e os distúrbios do crescimento fazem parte das doenças raras –, há uma dificuldade natural de identificá-las. Estima-se que de 5% a 10% da população mundial tenha alguma doença rara.
Lima Jorge destaca que baixa e alta estatura são achados clínicos, não são um diagnóstico. “Podem ter causas externas, como infecção ou desnutrição. Mesmo assim, as duas condições têm uma forte causa genética. Dentre as crianças saudáveis, que apresentam apenas baixa ou alta estatura como única manifestação, o mais provável é que haja uma base poligênica [várias variantes genéticas combinadas influenciando a altura]. Já no caso da baixa e da alta estatura sindrômica – ou seja, acompanhada de outros achados, como déficit intelectual, surdez, espectro autista ou malformações –, há maior possibilidade de alteração em um ou mais genes que possam justificar o fenótipo complexo”, afirma.
Com base nos resultados, os pesquisadores defendem o reconhecimento de múltiplos diagnósticos genéticos como uma possibilidade em casos complexos de distúrbios de crescimento, abrindo uma nova perspectiva para o tratamento e o aconselhamento genético de pacientes afetados, desafiando o senso comum da medicina de tentar encaixar todas as descobertas em um único diagnóstico.
No artigo, os pesquisadores afirmam que o desenvolvimento de técnicas de sequenciamento de última geração, como o sequenciamento completo do exoma ou do genoma, dispensou a necessidade de elencar um único gene candidato na avaliação genética. Essa particularidade se mostrou útil no ambiente de pesquisa para descobrir novos genes associados a doenças, para o estudo de condições que apresentam alta heterogeneidade genética e para pacientes com características sindrômicas complexas: quando o diagnóstico não é obtido por meio da abordagem clínica e genética tradicional.
Entre os desafios apontados pelo pesquisador estão o custo ainda elevado dos testes genéticos e o fato de que, atualmente, o sequenciamento do exoma obtém aproximadamente 50% de sucesso no diagnóstico de casos complexos. Ou seja, metade dos pacientes submetidos a esse tipo de análise seguirá sem um diagnóstico conclusivo.
O artigo Exome Sequencing Identifies Multiple Genetic Diagnoses in Children with Syndromic Growth Disorders pode ser lido em: www.jpeds.com/article/S0022-3476(23)00705-9/fulltext#%20.
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